quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Comunidade Aldeã

A comunidade aldeã

A aldeia era de facto uma comunidade vivida e partilhada por todos. Nela, a relação de vizinhança era autêntica e por isso sentida. Prendiam-na ainda os laços familiares entre parentes, tios e primos, mais ou menos próximos. Os casamentos, na sua maioria, faziam-se no seio da própria comunidade. Não admira pois que o conhecimento das famílias tenham vindo muito lá detrás… Nem é de admirar que a apreciação que se fazia das “ qualidades de qualquer jovem” passasse primeiro pela identificação da sua família: o ser-se filho ou filha de fulano ou beltrano, e até neto ou neta de sicrano era muito importante… A Igreja e a paróquia, mais o padre ou senhor prior; a Escola Primária e os alunos mais o professor ou a professora; o médico e os doentes (crianças, mulheres, homens); e o regedor, a autoridade administrativa da terra. Cada uma daquelas personagens tinha um papel fundamental na estrutura social da aldeia ou freguesia. Os valores, princípios morais e religiosos eram aprendidos desde o berço. O respeito pelas pessoas era comummente aceite e inquestionável. A “palavra dada”, um código de honra. Por isso, era costume dizer-se que valia mais uma palavra do que mil escrituras!

O padre o médico e o professor

Nas décadas de cinquenta e sessenta, três grandes figuras se dedicaram a população de Olho Marinho, contribuindo social, cultural e assistencialmente para o seu desenvolvimento e bem-estar: O Padre Renato, o Dr. Campos (médico) e o Professor Carreira.
A freguesia de Olho Marinho devia ter cerca de duzentos fogos e oitocentos habitantes. Era uma população maioritariamente pobre que vivia essencialmente da agricultura. Algumas pessoas procuraram o seu meio de vida na capital, em Lisboa, empregando-se no comércio e serviços; outros chegaram a estabelecer-se como industriais de táxi. Também nos anos sessenta houve algumas famílias que emigraram para o estrangeiro: França, Alemanha, Suíça e Canadá… Em 1964 treze jovens emigraram para a França.
Para além da actividade agrícola - e quase sempre em concorrência com ela - havia no sector do comércio-indústria, se assim se pode chamar, duas ou três padarias, dois talhos, meia dúzia de lojas e tabernas; uma destilaria de aguardente; três oficinas de sapateiros, cada uma com o seu mestre de ofício, oficiais e aprendizes da arte. Naquela época os sapatos eram feitos por medida, sobretudo botas em couro, cardadas nas solas para durarem mais tempo. Faziam-se frequentemente muitos arranjos de sapatos: colocavam-se capas e meias-solas, pregava-se biqueiras e protectores. Existia um correeiro, um grande profissional do ofício, que fazia e consertava alfaias agrícolas, arreios e outros equipamentos afins. Havia uma Forja de ferreiros (pai e filhos - mestres e oficiais) onde eram feitos portões em metal, gradeamentos e outros trabalhos em ferro. Por fim, um serviço de aluguer de táxi, um Posto de Correio e uma cabine telefónica no seu interior. A correspondência ia-se levar e buscar ao Posto, assistindo-se também à sua leitura, por volta do meio-dia. E havia ainda uma farmácia.
A grande parte da produção agrícola da terra era comercializado no mercado de Lisboa - uma ou duas vezes por semana. O seu transporte era feito num camião conduzido por um profissional que se dedicava à actividade mais um seu ajudante. O carregamento fazia-se de madrugada e seguia para Lisboa par ser vendido nos mercados, logo de manhã cedo.
As crianças, mal saíam da escola, iam trabalhar para os campos, ajudar os pais na lavoura. Montados nos burros ou em cima das carroças, meios de transporte usados para levar as ferramentas (enxadas, pás, sacholas, foices…) e os produtos para o amanho das terras: adubos e estrume de currais dos animais ou as sementes e plantinhas para lançar na terra; ou noutra fase os canecos com água e os preparados (sulfato de cal, seiscentos forte e outros remédios apropriados… mais o pulverizador), para prevenir ou combater o mal das searas e plantas. Conforme as épocas do ano, assim se transportava das fazendas para casa o produto criado: os feijões e as batatas, o milho e o trigo, as favas e os repolhos ou as uvas vindimadas que eram descarregadas nas adegas para serem pisadas e mais tarde transformadas no precioso líquido. O papel das crianças, inicialmente, era conduzir os burros de casa para a fazenda e da fazenda para casa. Alternadamente, uma das viagens faziam-na a pé, quando os animais iam ou vinham carregados, e outra montados, quando seguiam sem carga.
Naquela época, contavam-se pelos dedos as crianças que iam estudar depois de terminarem o exame de 4ª classe. Aqui ou acolá, havia alguém que fazia o exame de admissão ao 1.º ciclo do Ensino Secundário (Liceu, Escola Comercial ou Industrial).
Descanso semanal e diversões quase não existiam. Apenas ao Domingo à tarde lá se encontravam os homens casados nas tabernas a jogar as cartas ou a malha, bebendo uns copos de tinto e mastigando uns tremoços e umas pevides. As mulheres, ficavam em casa a cuidar da lida, dos filhos, da roupa, da cozinha… As vezes, quando os maridos tardavam e as diligências dos filhos não resultava, lá iam elas, a custo, chamá-los à taverna. Este tipo de intervenção não era benquisto pelos homens!
Quanto a missão de um pároco numa aldeia, vila ou cidade, seria, em princípio, pregar o evangelho de Cristo a comunidade; celebrar missa, casamentos, baptizados e funerais e pouco mais. Talvez, através dos seus sermões, transmitir mensagens importantes aos cristãos. Até aqui, nada de mais... Mas o Padre Renato foi mais além!
A Igreja matriz de Olho Marinho tem um século e meio de existência e a sua construção deve-se a iniciativa e intervenção do Padre Silveira Malhão, um grande orador, poeta e escritor, que promoveu campanhas de fundos para a sua conclusão. A igreja foi inaugurada em Agosto de 1856, consagrada ao Imaculado Coração de Maria e veio substituir, embora em locais diferentes, a anterior Capela. Esta situava num ponto mais alto de uma pequena colina rochosa, acima do largo da fonte (Olhos de Água), umas dezenas de metros. A Ermida de Santa Iria, assim designada por ter como padroeira Santa Iria, era de dimensão reduzida segundo dados da junta de freguesia, e por isso tornava-se insuficiente para acolher todos os fiéis de uma população em crescimento. Do ponto de vista estético e arquitectónico era pobre. Na fachada exterior sobressaía uma pequena torre sineira, com um sino em bronze, datado de 1782, que passou para a actual Igreja Matriz.
No local da Ermida de Santa Iria foi construída uma escola primária onde parte da geração nascida até meados da década de setenta do século XX, fez o ensino primário. Uma parte do edifício da Escola servia de residência dos professores. No tempo de Meireles, esta escola era chamada a escola velha por oposição a uma Escola Nova, mais moderna, construída no tempo do Estado Novo. Nesta, existia um espaço ou recinto de recreio para as crianças, murado à sua volta e um portão principal. O edifício da escola tinha forma rectangular e situava-se mais ou menos ao centro do recinto. Uma escada a meio dava acesso as salas de aulas, através de um patamar ou hall de entrada com duas portas: A do lado direito a sala de aulas das raparigas e a do lado esquerdo sala dos rapazes. Em linha recta, e perpendicularmente ao edifício, um muro com cerca 25 metros de comprimento e 1 metro de altura separava os rapazes das raparigas. Ao fundo do muro ficavam as casas de banho, uma de cada lado.

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