quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Jazz de Olho Marinho, foto anos 39/40.

Identificação
A propósito do “post” “ Os santos da casa …”, foi publicada a fotografia aqui alusiva ao conjunto – Jazz de Olho Marinho – reportada aos anos 39/40 do século XX, que não ocasião não foi possível identificar, na totalidade, os componentes do conjunto. Pedi ao meu irmão Elias que, um a um, identificou o nome de todos os músicos e os inscreveu na foto. Mais, Informou-me que só um dos componentes do Jazz, António Machadinho (o 4º sentado, à contar da esquerda) está vivo!
Aqui fica para consulta dos directamente interessados, sobretudo familiares. Para a freguesia de Olho Marinho, uma oportunidade para inscrever na história da terra esta referência cultural com mais de meio século de existência, precisamente 70 anos.
Atenção! - Para ver a foto em ponto maior é só clicar com o botão do rato sobre a fotografia.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Os santos da casa…Armando Silva Carvalho

Andar de mota e ajudar à missa
Andar de mota e ajudar à missa também me aconteceu, por volta dos 11 anos, diga-se, contra-à-vontade. O senhor António, sacristão, ressentido com padre, abandonou essa missão e eu, com a anuência dos meus pais, fui empurrado – mal - para o substituir. Não tinha jeito nem vocação. Acompanhei uma vez o padre Renato num funeral e a única coisa que fiz foi levar a caldeirinha com a água benta… Constrangeu-me de tal maneira ver os sapatos rotos do defunto que não aguentei mais olhar para ele, metia-me impressão, até hoje. Nas missas de Domingo ou em dias de festivos (casamentos e baptizados) tocava os sinos e durante a cerimónia, de acordo com a liturgia, mudava o missal de um lado para o outro do altar. O Armando, pelo que conta, parecia gostar de ajudar à missa, embora não quisesse ser padre, dando a entender que por razões económicas: A decisão (…) de frequentar o colégio das Caldas, levou o seu tempo e os seus cálculos. Para Padre, sabia que nunca iria. Toda a gente da aldeia via que o padre nem dinheiro amealhavam para umas meias solas nos sapatos. Quando ele se ajoelhava para erguer a hóstia, deixava que as mulheres avaliassem a sua miséria a começar pelos pés… (ibidem). Também o Artur Correeiro, ainda primo da minha mãe, que estudara no seminário (graças a pia intervenção da Sr.ª D. Eugénia, esposa de D. José Siqueira - da Quinta de Baixo) ajudava à missa quando vinha de férias ao Olho Marinho, em certas ocasiões. Também a vocação Artur, apesar da sua humanidade, não foi suficiente forte para o exercício do sacerdócio. Duas décadas antes (anos de 1930), também o meu tio Álvaro estudou durante seis anos num Seminário e quando vinha férias à Terra as suas preocupações pareciam ser outras. Gostava muito dos bailaricos e até tinha uma bicicleta que usava nas suas deslocações às aldeias vizinhas e nas suas incursões nocturnas. É natural que tenha ajudado uma ou outra vez à missa mas não me lembro da família referir esse facto. Bem pelo contrário, o que se dizia – as vizinhas sobretudo – é que ele não tinha vocação para padre: Ah, Palmira, o teu filho olha muito para as pernas das raparigas… A minha avó, afinava!
Havia porém, já naquele tempo (anos 30 e 40 do século XX), outras actividades como o teatro em que, segundo testemunho oral, o meu tio Álvaro participava com notável desempenho. Não estou a par das actividades culturais da terra mas pelo pouco que me foi dado observar, há um certo abandono e é pena. Contar-se-á, provavelmente pelos dedos de uma das mãos, aqueles que conhecem o percurso literário do Armando Silva Carvalho ou que tenham lido alguma obra sua. Foi por isso, à laia de reflexão, que me atrevi a escrever no blogue que os santos da casa não fazem milagres…


Álvaro (tio)

sábado, 10 de outubro de 2009

Afinidades e curiosidades
Desde miúdo, que me lembro da minha avó Palmira chamar de prima a mãe do Armando Silva Carvalho, que tinha mais uma irmã e um irmão. Ao ler O Livro do Meio, a genealogia do autor reavivou-me a curiosidade. Assim, do lado materno do Armando (paterno meu) existe uma descendência remota: A minha avó Palmira e a mãe do Armando eram primas direitas (e mais dois irmãos) porque a mãe de ambas eram irmãs.
Segundo rabisquei de umas notas antigas do meu tio Álvaro, que foi amanuense no registo civil de Óbidos, a mãe da minha avó chamava-se Lúcia de Jesus.
Avó ( Palmira de Jesus-1888-1968)
Mas há outras curiosidades… O Armando Carvalho recorda alguns episódios passados com o padre Renato que já não me lembrava ou desconhecia. Parece que o nosso Prior tinha uma raiva danada aos cães que lhe ladravam… Sabia que ele tinha a pancada de andar à noitinha pelas ruelas de ouvido cosido às casas, a escutar as conversas e saber se os paroquianos falavam mal dele. Não sabia que o padre tinha medo do barulho como conta o Armando: Ele tinha medo de tudo que fosse barulho. Uma tarde em plena festa de Agosto, hora da procissão, hora solene, o Padre Renato dera o fora e ninguém sabia para onde. Os foguetes rebentavam no ar, as crianças sujavam as fatiotas, os festeiros suavam encasacados, os anjinhos mijavam no cetim barato das suas vestes (…), só faltava o padre. Prossegue: Fui eu e o meu pai, com denúncia privada da Carlota, quem soube onde ele se escondia (…) trazê-lo muito a custo (op. cit p.165).

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Os santos da casa…Armando Silva Carvalho


Olho Marinho - Impressão
Ao ler O Livro do Meio, revisitei a aldeia onde nasci, o Olho Marinho e a qual deixei aos 13 anos para vir para Lisboa, também para tratar da vida. Ocorreram entretanto meio século e não obstante o desenvolvimento natural e trazido, em parte, com o 25 de Abril de 1974 (Equipamento social – ATL, Jardim de Infância, Centro Social Cultural/IPSS, Centro de Saúde e a Caixa de Crédito Agrícola ligada a actividade primária) culturalmente, o Olho Marinho continua pobre e isso dá que pensar… Julgo que o Olho Marinho, ficou órfão com a morte de Salazar, a saída ou o desaparecimento de figuras marcantes e tutelares como os professores primários (Roque, Albino ou Carreira), o médico Dr. Campos e o Padre Renato, sem esquecer a União Amigos de Olho Marinho e o seu esforçado trabalho e obras realizadas a partir da Capital (Lisboa).
Apesar da distância em relação ao passado – um pouco mais de quatro décadas – e do desenvolvimento tecnológico, da comunicação e multimédia on line, da globalização da economia, do político e do social actuais, estamos hoje mais pobres, do ponto de vista de identidade cultural e dos valores, do que antes.
Voltando à freguesia do Olho Marinha, constatamos isso mesmo. Depois que o padre Renato de lá saiu, grande parte das actividades culturais e de entretenimento deixaram de existir, por exemplo: jogos de voleibol para os jovens, as caminhadas, jogos de salão e de mesa; a música e o canto, as danças ou bailes; o teatro e as pinturas. Como descreve Armando Carvalho no Livro do Meio: O padre Renato tinha editado na Sasseti várias composições que eu não sabia nem seria capaz de apreciar. Na sua residência, onde dominava uma velha Carlota de bigode, havia um piano apoquentado pelo húmido e pelo desacerto. Mais adiante, acrescenta: O padre Renato, que Deus tem certamente encostado à porta das oratórias mais arrebatadas, ensinava-me solfejo, pintura a óleo em tela natural e alguns conselhos práticos para evitar o pecado.
Também em relação ao seu professor, que no tempo da escola primária era o professor Albino, Armando escreve: O meu verdadeiro professor era filho de um padre que deixou de o ser, e nasceu em Óbidos. O professor Albino (…), devotado católico, deu-nos a todos uma esmerada educação religiosa, além de uma boa instrução primária.
Sobreviveu o Rancho de Olho Marinho, graças ao Mário, o Corneta!
No Início da década de 1940, ou um pouco mais, existia um conjunto – o jazz – de Olho Marinho. Dele faziam parte o meu pai, o meu tio Álvaro, o Arsénio Cozinheiro, o Machadinho e outros mais que não consigo ligar seus nomes. Creio que esse conjunto nasceu devido à carolice, paixão e dedicação de um maestro que nem sequer era natural da terra… Infelizmente, não ouve seguidores…
Refere o Armando Carvalho, no seu livro, que em casa dos Lavaduras não havia biblioteca… E eu interrogue-me se em todo o Olho Marinho havia uma biblioteca naquele tempo. Vou mais longe: existe hoje alguma biblioteca ou museu? – Creio que a resposta é negativa mas a crítica construtiva. Porque não começar a construir uma biblioteca nos espaços existentes no edifico da sede União Amigos de Olho Marinho ou outro onde esteja ou venha a estar instalado o equipamento de Internet? Há jovens que poderão estar interessados em participar activamente na história da sua terra!
As gerações que frequentaram a escola primária a seguir a II Guerra Mundial tinham grandes dificuldades económicas e eram pobres em quase tudo… Eram muitos os miúdos da aldeia que andavam descalços e passavam mal. Concluir a instrução primária era já um avanço… Em Olho Marinho, o exame da 4ª classe era feito em Óbidos, como precisa Armando Carvalho: Quando fiz o exame final da escola primária fui fazê-lo a Óbidos, numa escola baixinha, que havia no largo lá em cima, perto da porta da Cerca.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Os santos da casa…Armando Silva Carvalho

O Livro do Meio
Já aqui no Itinerante foi referido o nome de Armando Silva Carvalho a propósito de A cultura e os filhos da terra. Agora, acabei de ler, com afincado prazer, o Livro do Meio da sua autoria e de Maria Velho da Costa.
Trata-se de um romance epistolar onde ambos autores retractam – com alguma ironia mútua - as suas origens e infância. O Armando, de famílias rurais - os Lavaduras - natural de Olho Marinho, concelho de Óbidos, e Maria Velho da Costa, pequeno – burguesa, filha de pai militar (oficial - comandante) e “mãe fina”. Ele proveniente do meio rural, ela do meio citadino. Têm em comum o nascimento no ano de 1938; ambos escritores reconhecidos e vasta obra publicada com prémios atribuídos. Politicamente, situam-se à esquerda: entre o PS ou esquerda caviar e o PC.
Fruto da convivida amizade e cumplicidades, decidiram ambos pôr a sua escrita em dia, que é como quem diz, a sua correspondência num livro. Fizeram de uma forma Grande, elegante e sem tabus, despidos de preconceitos. Pessoalmente, admirei bastante a coragem da exposição pública das suas vidas, família, amigos que o foram, ao estilo das Liaisons Dangereuses (Ligações Perigosas) de Choderlos de Laclos e de uma forma erudita apreciável. A crítica é favorável como se pode ler no extracto abaixo publicado no jornal Público, na ocasião:
« Ninguém estranhará que comece por reconhecer que a memorialística portuguesa é pobre. (…) Em Portugal, o busílis não está do lado de quem fez, está do lado das omissões. Se pensarmos naqueles que não arriscaram uma linha, e são quase todos, temos a medida do que somos.
…«Não admira que O Livro do Meio seja motivo de escândalo e atrabile. O país dos interditos convive mal com movimentos de câmara lenta. O rumor surdo da perplexidade traduz as reticências de regra. Afinal, o que é que leva dois autores consagrados, Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa, nascidos ambos em 1938, à desabusada escavação da infância? Por que é que, sem perder Laclos de vista, foram ambos induzidos à narrativa da intriga? Valmont e a Merteuil trocaram o castelo de Madame de Rosemond pelo British Quintal? (O British Quintal é o jardim da casa de Maria Velho da Costa.) Pergunta ela: «E que fizemos à Merteuil e ao Visconde? / Devem ter-se tolhido com a tua abominação da aristocracia, a querela de classes, o Terror.» A questão não é inocente. E o protocolo não engana: nos interstícios do passado insinua-se a prova do quotidiano. Leitura do mundo: obras, autores, prémios, família, castas, ódios, equívocos, querela, política, dinheiro.
Ele vem da pequena burguesia rural, do tempo em que todos se roçavam para chegar a Rousseau, mas, ainda rapaz, tinha ou julgou ter «outras Luzes guias, outros holofotes virados para as bandas do colectivo.» Valmont também conquistou o seu destino, e há-de ter lido O Contrato Social. Ela vem da burguesia instalada no Ancien Régime, viu mundo, o lusco-fusco do British Quintal ajuda-a a enfrentar o passado: «Os afectos são flutuantes. É o que os torna perigosos. Mesmo no seio da família, ou pior ainda. Quem diria que, depois de amar tão apaixonadamente os meus, poderia ir até à aversão? Que mutila. O ódio mutila.» Pai militar, «bisonho e frugal», mãe amante do luxo: «Perfumes, jóias, sedas, peles, comida requintada. E de dançar e de sair.» Ele a brincar aos padres em Olho Marinho: «O padre foi, aliás, na panóplia de seres que andavam à volta dos meus anos tenríssimos, o meu homem de saias.» Lenta descoberta da sexualidade num tempo em que «o sexo não existia em lado nenhum do corpo que a gente desse por isso.» Ela no Bairro Azul. Ele numa «província abaixo da meia-tigela [...] e não me peca a alma ao dizer que tinha costeleta de porco uma vez por semana após a missa. Outros comeriam feijões, pão duro, e quando.» Nítidas, as origens. A mnemónica deixa cicatrizes. O rapaz veio para a cidade, estudar e fazer pela vida. A rapariga não esqueceu o crivo apertado do Palácio das Madres, feudo das “Grandes”, um dia libertou-se e percebeu: «É toda uma cópia de contrastes, esta vida.» Muita água passou sob as pontes. Estão sentados no British Quintal, fazem parte do Meio, não há como fugir ao Meio, são consequência do Meio. Ela não poupa no desdém: «Há pouca gente tão ignara e arrogante como esses oxfordinhos de segunda. Cheios de mofo daqueles departamentos que fenecem, daqueles parques infantis para adultos, que consentem, salvo raras excepções entrincheiradas na excentricidade, dar diplomas a medíocres que seriam, na Sorbonne ou no MIT, mandados de volta à instrução primária.» Ele, sem sair da mesma área sociológica, tem o seu quinhão.… Quem conheça a obra dos co-autores encontra aqui um prolongamento das obsessões de ambos. O Armando Silva Carvalho de Portuguex (romance, 1977) ou de Elena e as Mãos dos Homens (contos, 2003) plasma-se na prosa sacudida desta “correspondência”. O mesmo se diga de Maria Velho da Costa, operando em flashback. Ouvindo-a discorrer sobre o rito de passagem que representou o Palácio das Madres, somos levados a recordar episódios do primeiro livro, Lugar Comum (contos, 1966), ou mesmo daquele Maina Mendes (romance, 1969) que definitivamente a consagrou. No seu desconstruir metódico, O Livro do Meio põe a nu a tensão dialógica que as obras respectivas estabelecem entre si. Uma mais-valia nada despicienda, convenhamos.»