O Padre Renato
A parte reservada a habitação dos professores, na escola velha, passou a residência paroquial e foi nela que o Padre Renato morou.
Do ponto de vista físico, o Padre Renato era uma pessoa relativamente alta, forte e com uma calvície um tanto pronunciada, apesar dos quarenta e tantos anos que aparentava ter. Psicologicamente, era de uma impulsividade crónica e instável. Para as suas deslocações as paróquias vizinhas, chegou a comprar uma mota, depois um carro de dois cavalos que andavam grande parte do tempo avariados. Quando assim acontecia era frequente vê-lo aos pontapés a mota ou ao carro e a praguejar, em altos berros, impropérios ineficazes como: merda para isto, raios te partam…
O padre tinha ainda o péssimo hábito de andar de noite pelas ruelas a escutar as conversas das pessoas, para saber se e quem falava mal dele. Depois acabava por se denunciar ao usar o conhecimento das suas investigações secretas, na missa aos Domingos.
Segundo se dizia, trazia sempre consigo duas notas: uma de vinte escudos e outro de cinquenta, em cada um dos bolsos da sua batina, para ajudar alguns dos pobres. De acordo com as suas necessidades, assim tirava do bolso direito ou esquerdo a nota lhe parecia mais apropriada à situação. Os seus sapatos, diziam alguns observadores, andavam sempre com as solas rotas… Fumava dois ou três maços de cigarros por dia, sem filtro, da marca high life.
O Padre Renato era sem dúvida uma pessoa muito inteligente e culta. No Seminário dos Olivais, por onde passou, foi o melhor compositor e músico, conforme testemunho dos seus condiscípulos à época. Numa ocasião, entrou casa adentro de uma pessoa lá da terra, que estava a tocar bandolim, pegou na pauta e começo a trautear a melodia como se estivesse a tocar um instrumento musical… Na pintura deixou algumas aguarelas alusivas ao adro da Igreja; no teatro escreveu e ensaiou peças; criou jogos e animação…
A importância do Padre Renato no Olho Marinho começa com a construção de um Salão – hoje Posto Médico e Creche Infantil, cujo terreno foi doado para o efeito. Era o sítio do Rossio, delimitado por dois arruamentos. Um que vinha do lado das barrocas e o outro, a estrada principal, que passava frente ao Salão. Um longo ribeiro corria ao lado do Salão, atravessavando a estrada Principal, por debaixo de uma ponte, e confluía 150 metros à frente com um rio que nascia na Fonte (Olhos D´Água). O caudal de água era abundante e formava açudes que dava para irrigar todos os terrenos de amanho e ainda accionar um moinho a água. A obra do Salão foi comparticipada pelo povo, em género e em espécie com dias de trabalho. Inicialmente, construiu-se uma divisão ampla, com um palco ao topo, e mais tarde um anexo, com uma sala mais pequena, onde foi instalada uma televisão, única na terra, naquela altura. Nos terrenos à sua volta foi criado um campo de basquetebol. No interior do Salão havia mesas de ping-pong e outros jogos, criados e inventados pelo Padre Renato.
Durante as férias escolares - férias grandes - os jovens que estudavam em Lisboa e regressavam à terra não tinham muito em que se entreterem ou passar o tempo. Alguns ajudavam os seus parentes e familiares nas vindima e pouco mais! Só que o Padre Renato arranjava sempre meio de os ocupar com jogos e caminhadas a pé a descoberta de tesouros escondidos e coisas do género. Depois, o Salão estava sempre à disposição para quem quisesse lá ir, conversar, jogar pingue-pongue, ensaiar ou divertir-se. Havia os jogos de dominó, cartas, damas, etc. No entanto, o acesso ao Salão passava pela autorização do detentor das suas chaves: o fiel depositário, o senhor Silvano – sapateiro. A relação entre o Padre Renato e o senhor Silvano não deixava de ser curiosa na medida em que este até era ateu e comunista. Mas a verdade é que era uma pessoa disponível, com muita graça e humor de que toda a gente gostava. Tinha dois filhos a trabalhar consigo, educados, disciplinados e bem-dispostos, ligados ao desporto: futebol e ciclismo. A sua oficina estava integrada na casa de morada e dava para a Rua Prof. Roque Duarte, mesmo à curva e ao cimo da rua como quem vai a caminho da Povoação do Pó. Era costume a rapaziada, da idade dos filhos do senhor Silvano, aparecerem por lá, aos domingos de manhã para engraxarem os seus sapatos e conversarem um pouco! – Do lado direito da oficina e no seu interior, uma pequena portinhola dava acesso a uma minúscula taverna com cerca de quatro a cinco metros quadrados. À entrada, servida por um degrau, avistava-se duas mesas e respectivos bancos a verde (o Sr. Silvano era Sportinguista…); ao fundo, um balcão de tampo a mármore, salpicado a cores – talvez rosa, branco e preto -; mais atrás, existia prateleiras encostadas à parede e algumas garrafas de bebida arrumadas ao lado de outros consumíveis. Era um espaço reservado a bebidas e jogos de cartas e dominó, que dava também lugar aos cartões com furos para a miudagem se habilitar as cadernetas e aos cromos da bola … Este espaço, estava sempre impecavelmente limpo.
Assim, quando durante a semana alguém queria ir ao “Salão do Padre”, pedia as chaves ao senhor Silvano.
O Padre Renato continuava a dedicar-se a sua Obra. Os bailes passaram a realizar-se no Salão aos Domingos. Contratava-se um tocador de concertina e os pares lá dançavam entusiasticamente, embora não muito agarrados quando o senhor Prior estava por perto. Quando era só o senhor Silvano, não fazia mal. Às vezes até era ele quem alertava a presença próxima do padre...
É com este padre que se ensaiaram e se fizeram peças de teatro e se promoveu a música e o canto. Foi ele que conseguiu levar artistas de nomeada, como Camilo de Oliveira e colegas, a actuar em Olho Marinho.
A Rádio Televisão Portuguesa (R.T.P.) que iniciou as suas emissões regulares em 1957, foi instalada e vista pela primeira vez no Salão do Padre. Nesta data ainda não havia ninguém com televisões na freguesia. Era a única. Aliás, a rede de iluminação pública também só fora instalada dois anos antes. A verdade é que essa caixinha mágica, chamada Televisão, era mesma mágica para todas as crianças daquela altura. Quantas não se lembram de estarem sentados naquelas cadeiras perfiladas a assistir concentradas a abertura da televisão. Aquela música única de abertura da R.T.P., que jamais se esquecerá! A actuação dos palhaços; os desenhos de José Viana: “o queres ser quando fores grande”… Para os adultos – casais e filhos - o entusiasmo e a alegria que sentiam ver televisão era enorme.
O Café Concerto, que era um programa de televisão que passava às quintas-feiras à noite, ocupava todos lugares vagos da sala. Actuavam nessa época artistas importantes do teatro português, sobretudo de revista, como era o caso do jovem Camilo de Oliveira ou Costinha, Elvira Velez e tantos outros já consagrados. Foram também vistos alguns filmes portugueses, como Fátima Terra de Fé ou as Pupilas do Senhor Reitor… Tudo isto se ficou a dever ao Padre Renato.
A parte reservada a habitação dos professores, na escola velha, passou a residência paroquial e foi nela que o Padre Renato morou.
Do ponto de vista físico, o Padre Renato era uma pessoa relativamente alta, forte e com uma calvície um tanto pronunciada, apesar dos quarenta e tantos anos que aparentava ter. Psicologicamente, era de uma impulsividade crónica e instável. Para as suas deslocações as paróquias vizinhas, chegou a comprar uma mota, depois um carro de dois cavalos que andavam grande parte do tempo avariados. Quando assim acontecia era frequente vê-lo aos pontapés a mota ou ao carro e a praguejar, em altos berros, impropérios ineficazes como: merda para isto, raios te partam…
O padre tinha ainda o péssimo hábito de andar de noite pelas ruelas a escutar as conversas das pessoas, para saber se e quem falava mal dele. Depois acabava por se denunciar ao usar o conhecimento das suas investigações secretas, na missa aos Domingos.
Segundo se dizia, trazia sempre consigo duas notas: uma de vinte escudos e outro de cinquenta, em cada um dos bolsos da sua batina, para ajudar alguns dos pobres. De acordo com as suas necessidades, assim tirava do bolso direito ou esquerdo a nota lhe parecia mais apropriada à situação. Os seus sapatos, diziam alguns observadores, andavam sempre com as solas rotas… Fumava dois ou três maços de cigarros por dia, sem filtro, da marca high life.
O Padre Renato era sem dúvida uma pessoa muito inteligente e culta. No Seminário dos Olivais, por onde passou, foi o melhor compositor e músico, conforme testemunho dos seus condiscípulos à época. Numa ocasião, entrou casa adentro de uma pessoa lá da terra, que estava a tocar bandolim, pegou na pauta e começo a trautear a melodia como se estivesse a tocar um instrumento musical… Na pintura deixou algumas aguarelas alusivas ao adro da Igreja; no teatro escreveu e ensaiou peças; criou jogos e animação…
A importância do Padre Renato no Olho Marinho começa com a construção de um Salão – hoje Posto Médico e Creche Infantil, cujo terreno foi doado para o efeito. Era o sítio do Rossio, delimitado por dois arruamentos. Um que vinha do lado das barrocas e o outro, a estrada principal, que passava frente ao Salão. Um longo ribeiro corria ao lado do Salão, atravessavando a estrada Principal, por debaixo de uma ponte, e confluía 150 metros à frente com um rio que nascia na Fonte (Olhos D´Água). O caudal de água era abundante e formava açudes que dava para irrigar todos os terrenos de amanho e ainda accionar um moinho a água. A obra do Salão foi comparticipada pelo povo, em género e em espécie com dias de trabalho. Inicialmente, construiu-se uma divisão ampla, com um palco ao topo, e mais tarde um anexo, com uma sala mais pequena, onde foi instalada uma televisão, única na terra, naquela altura. Nos terrenos à sua volta foi criado um campo de basquetebol. No interior do Salão havia mesas de ping-pong e outros jogos, criados e inventados pelo Padre Renato.
Durante as férias escolares - férias grandes - os jovens que estudavam em Lisboa e regressavam à terra não tinham muito em que se entreterem ou passar o tempo. Alguns ajudavam os seus parentes e familiares nas vindima e pouco mais! Só que o Padre Renato arranjava sempre meio de os ocupar com jogos e caminhadas a pé a descoberta de tesouros escondidos e coisas do género. Depois, o Salão estava sempre à disposição para quem quisesse lá ir, conversar, jogar pingue-pongue, ensaiar ou divertir-se. Havia os jogos de dominó, cartas, damas, etc. No entanto, o acesso ao Salão passava pela autorização do detentor das suas chaves: o fiel depositário, o senhor Silvano – sapateiro. A relação entre o Padre Renato e o senhor Silvano não deixava de ser curiosa na medida em que este até era ateu e comunista. Mas a verdade é que era uma pessoa disponível, com muita graça e humor de que toda a gente gostava. Tinha dois filhos a trabalhar consigo, educados, disciplinados e bem-dispostos, ligados ao desporto: futebol e ciclismo. A sua oficina estava integrada na casa de morada e dava para a Rua Prof. Roque Duarte, mesmo à curva e ao cimo da rua como quem vai a caminho da Povoação do Pó. Era costume a rapaziada, da idade dos filhos do senhor Silvano, aparecerem por lá, aos domingos de manhã para engraxarem os seus sapatos e conversarem um pouco! – Do lado direito da oficina e no seu interior, uma pequena portinhola dava acesso a uma minúscula taverna com cerca de quatro a cinco metros quadrados. À entrada, servida por um degrau, avistava-se duas mesas e respectivos bancos a verde (o Sr. Silvano era Sportinguista…); ao fundo, um balcão de tampo a mármore, salpicado a cores – talvez rosa, branco e preto -; mais atrás, existia prateleiras encostadas à parede e algumas garrafas de bebida arrumadas ao lado de outros consumíveis. Era um espaço reservado a bebidas e jogos de cartas e dominó, que dava também lugar aos cartões com furos para a miudagem se habilitar as cadernetas e aos cromos da bola … Este espaço, estava sempre impecavelmente limpo.
Assim, quando durante a semana alguém queria ir ao “Salão do Padre”, pedia as chaves ao senhor Silvano.
O Padre Renato continuava a dedicar-se a sua Obra. Os bailes passaram a realizar-se no Salão aos Domingos. Contratava-se um tocador de concertina e os pares lá dançavam entusiasticamente, embora não muito agarrados quando o senhor Prior estava por perto. Quando era só o senhor Silvano, não fazia mal. Às vezes até era ele quem alertava a presença próxima do padre...
É com este padre que se ensaiaram e se fizeram peças de teatro e se promoveu a música e o canto. Foi ele que conseguiu levar artistas de nomeada, como Camilo de Oliveira e colegas, a actuar em Olho Marinho.
A Rádio Televisão Portuguesa (R.T.P.) que iniciou as suas emissões regulares em 1957, foi instalada e vista pela primeira vez no Salão do Padre. Nesta data ainda não havia ninguém com televisões na freguesia. Era a única. Aliás, a rede de iluminação pública também só fora instalada dois anos antes. A verdade é que essa caixinha mágica, chamada Televisão, era mesma mágica para todas as crianças daquela altura. Quantas não se lembram de estarem sentados naquelas cadeiras perfiladas a assistir concentradas a abertura da televisão. Aquela música única de abertura da R.T.P., que jamais se esquecerá! A actuação dos palhaços; os desenhos de José Viana: “o queres ser quando fores grande”… Para os adultos – casais e filhos - o entusiasmo e a alegria que sentiam ver televisão era enorme.
O Café Concerto, que era um programa de televisão que passava às quintas-feiras à noite, ocupava todos lugares vagos da sala. Actuavam nessa época artistas importantes do teatro português, sobretudo de revista, como era o caso do jovem Camilo de Oliveira ou Costinha, Elvira Velez e tantos outros já consagrados. Foram também vistos alguns filmes portugueses, como Fátima Terra de Fé ou as Pupilas do Senhor Reitor… Tudo isto se ficou a dever ao Padre Renato.
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