sábado, 28 de fevereiro de 2009

Arte é arte

Arte é arte
Quase todos os anos pelo verão costumo ir a feira do livro em Lisboa. Percorro de alto a baixo e de baixo a cima o Parque Eduardo VII. Não me alargo muito na compra de livros porque pesa um pouco no orçamento… Por outro lado, confesso, tenho algumas dificuldades em escolher os livros. Sinto-me um pouco como na situação daqueles almoços ou jantares de self-service onde não sei como começar nem acabar…
Em Julho de 2007, numa dessas visitas pela feira, comprei um livro sobre a História da Arte, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian – de excelente qualidade - da autoria do norte-americano H.W. Janson ao preço de capa, por 14.00€, nada mais barato! Tinha começado a ler alguma coisa sobre arte e expressão artística, e quanto mais lia mais dava conta da minha ignorância…
Em Julho de 2002, estive em Paris com a minha mulher – uma semana – e calcorreamos a pé e de metro aquela encantadora cidade. Visitamos, sempre a correr, os museus d´Orsay, Auguste Rodin (arrebatador) e o Louvre - uma referência obrigatória. Claro que não foi possível apreciar em tão curto espaço de tempo a imensidão de todas as suas obras de arte. Impressionou-me porém o interesse dos franceses pela arte, cultura e educação. Miúdos, professores e os pais a conversar sobre pintura, escultura - sobre arte de um modo geral - com os alunos e filhos e o manifesto interesse e a atenção deles! – Claro que pensei no nosso sistema de instrução e de educação e senti uma certa tristeza…
Comecei a ler um livro sobre pintura de Chagall e estou a gostar… Mas apreciar, verdadeiramente, implica um conhecimento mais profundo. Saber identificar as correntes e escolas de pintura; se determinada pintura de um quadro é impressionista, cubista, expressionista, surrealista, abstracta… e interpretar e analisar o seu significado e épocas históricas leva tempo. E gostar? Será que o “ gosto de uma obra de arte” provem do conhecimento das pessoas sobre ela ou poderá ser também intuitivo? – O público não ajuizará, de acordo com a sua percepção e sensibilidade?
Já me serviu de muito – e continua a servir - o Livro sobre História de Arte, da Gulbenkian. Logo na sua introdução começa por questionar o que é a arte e dá o exemplo da Cabeça de Touro de Picasso. Aqui entra o conceito de arte como um objecto estético, para ser visto e apreciado pelo seu valor intrínseco, e em que a estética diz respeito ao belo. Agora, nem toda a arte é bela aos nossos olhos e não há propriamente uma regra que a defina. A imaginação, criatividade e originalidade são elementos essenciais em qualquer obra de arte.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Comunidade aldeã

A cultura e os filhos da terra.
Contavam-se pelos dedos de uma das mãos os olhomarinhenses da minha geração formados com grau académico superior. Estou a referir-me as pessoas com idades compreendidas entre os 60 e 70 anos, mais coisa menos coisa. A população de Olho Marinho sempre se dedicou à agricultura, ao campo e à fazenda: andar com a enxada na mão, a cavar, a estonar ou sachar; a plantar, semear ou a regar as batatas e as couves, era o seu dia-a-dia… Nunca havia tempo para nada, nem para estar doente! O meu pai costumava dizer - ironicamente - que o “desporto” dele era o trabalho. A minha avó Palmira trabalhou sempre até morrer e dizia que era preciso “ aproveitar o tempo,” como se ele fugisse… Com uma mentalidade destas, associada a pobreza como é que os seus filhos podiam estudar? – Fazer uma instrução primária, e aqueles que a faziam, já era muito bom! – Apesar disso, ainda houve meia dúzia de famílias que – uns com mais outros menos sacrifícios - puseram os seus filhos a estudar, ainda bem: porque ser trabalhador, pobre, honrado e iletrado é demais… Os homens tinham como divertimento as sobras das tardes de Domingo (trabalhavam no campo 6 ou 7 horas de manhã…) que eram passadas nas tabernas. Jogavam às cartas ou ao chinquilho, mastigavam à conversa uns tremoços e umas pevides, arrematavam pelo meio umas rodadas de tinto por conta dos perdedores… As mulheres casadas cuidavam dos filhos e das lides domésticas!
O Armando Silva Carvalho faz parte dessa geração que estudou e emigrou para a capital. Filho de agrário e pequeno comerciante, nascido em Olho Marinho no ano de 1938. Frequentou a Faculdade de Letras, licenciou-se em Direito e advogou algum tempo. Desenvolve a sua actividade como poeta, ficcionista, jornalista, professor, tradutor, crítico literário e publicitário.Consultando alguns sites na Net, ficamos a saber um pouco mais acerca da actividade literária do Armando. Naturalmente, só através da leitura das suas as obras se conhecerá melhor a sua dimensão cultural. Em qualquer caso, o vago conhecimento da sua existência no campo das letras deverá constituir um motivo de orgulho para a população de Olho Marinho e até do concelho de Óbidos. Aqui fica a referência e esta pequena nota retirada de um site:
Armando Silva Carvalho nasceu na freguesia de Olho Marinho, Óbidos, em 1938. (…). Traduziu autores como Margueritte Duras e Samuel Beckett, Rainer Maria Rilke e Boris Pasternak.Revelou-se como poeta em 1965, com o livro Lírica Consumível, que obteve o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou posteriormente O Comércio dos Nervos (1968), Antologia Poética (1976), Armas Brancas (1977), Técnicas do Engate (1979), Alexandre Bissecto (1983) e Canis Dei, em 1995, sendo premiado "ex-aequo” com o Prémio PEN Clube. Em prosa, Armando Silva Carvalho escreveu, entre outros, A Vingança de Maria Noronha, em 1989, sendo agraciado com a Menção Honrosa do Prémio Cidade de Lisboa e, em 2000, O Homem que Sabia a Mar. Com obra publicada em vários países, como Alemanha, Espanha, Itália e Suécia, Armando Silva Carvalho estreou-se na Assírio & Alvim com o livro O Menino ao Colo. Momentos, Falas, Lugares do Sublime Santo António

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Comunidade aldeã

Ciclo de vida

O ciclo de vida daquelas gerações era em média mais curta que o actual. Geralmente, quando as crianças ainda andavam na escola primária, entre os sete e os onze ou doze anos de idade, acontecia morrer um dos avós, quase sempre o avô.
Sucedia, frequentemente, serem os netos a fazer companhia durante a noite a casa das avós, agora viúvas, nos primeiros tempos do luto. Naquela época, os filhos tomavam conta dos pais quando estes iam para a idade (velhice) e as suas capacidades não ofereciam condições de se regerem sozinhos. Os homens, mais dependentes do que as mulheres, eram quem mais beneficiava. Em regra, havendo mais do que um filho, os pais passavam uma temporada em casa de cada um deles, em média um mês.
A morte dos avós traziam sempre alguma dor e era costume os netos andarem com uma fita preta num dos braços, em sinal de luto, durante três meses. Nesse período, os enlutados não deviam ir às festas segundo rezava a tradição. Porém, havia avós que pediam aos netos que quando eles partirem ou chegar a sua hora se divirtam na mesma, gozem a vida: não deixem de ir a festas e a bailes.
Claro que a noção que o sofrimento era mais forte quanto mais próxima era a relação de parentesco com o finado: dos filhos em relação aos pais e a seguir dos netos em relação aos avós. O luto também era por mais tempo.
Às vezes, por doença ou caprichos da vida, o ciclo é interrompido por morte de pessoas bem mais novas.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Comunidade aldeã

Professor Carreira

O Professor Carreira e a sua esposa eram professores primários que tinham residência fixa em Olho Marinho. Ele ensinava na Escola nova os alunos da 4ª classe; a esposa, Sr.ª D. Piedade, ensinava a 1.ª classe na escola velha. As 2ªs e 3ªs classes, eram ensinadas por outros professores que não residiam na terra ou então ficavam alojados temporariamente em casa de alguém.
O Professor Carreira ainda não devia ter trinta anos. Era pois muito mais novo que o padre e o médico. De estatura média-alta, atlética até, era uma pessoa disciplinada que gostava muito de desporto, sobretudo de futebol. Promoveu a criação de um Campo de Futebol em Olho Marinho, no sítio da Feira. Tratou de arranjar camisolas (às riscas verticais, amarelas e pretas), calções, meias e sapatos, boné e luvas para os guarda-redes para os futuros jogadores, bem como o local para se equiparem e guardarem o equipamento. O Professor Carreira era simultaneamente dirigente, treinador, e até jogador e jogava bem!
Os jovens jogadores eram treinados durante os dias da semana, incluindo aos sábados que na época era também um dia útil igual aos outros. Todos trabalhavam no campo a excepção do guarda-redes que era padeiro, daí o cognome de Manuel Padeiro. À tardinha, lá vinha eles dos campos, à pressa, ainda com a enxada às costas. Era só o tempo de passar por água, mudar de roupa e ir a correr para o campo. O treinador era rigoroso e não aceitava atrasos e o pessoal tinha-lhes mais respeito que aos próprios pais! – A verdade é que o Olho Marinho teve uma boa equipa de futebol. Jogava em casa e fora, ganhava e perdia como as outras, e tinha um público entusiasmado que assistia aos jogos. Tudo isto foi obra de um trabalho notável de um homem: O professor Carreira.
Estas três personagens, para além de promoverem educação, cultura e assistência (médica e religiosa) transmitiram, pelo exemplo, valores e princípios humanos incalculáveis para as gerações que se seguiram, mesmo sem o saber!