Antero, porém, que desembarcara em Lisboa, como um Apóstolo do Socialismo, a trazer a Palavra aos gentílicos, em breve nos converteu a uma vida mais alta e fecunda. Nós fôramos até aí, no Cenáculo, uns quatro ou cinco demónios, cheios de incoerência e de turbulência, fazendo um tal alarido lírico-filosófico que, por vezes, de noite, os dois cónegos estremunhados rompiam a berrar, o burro por baixo zurrava, desoladoramente, e no céu, sobre os telhados fronteiros, a lua parava, enfiada. Mas toda a nossa alma se ia nesse alarido, e o vento vão da boémia a levava, para onde leva as almas descuidadas e as folhas de louro secas…Sob a influência de Antero, logo dois de nós, que andávamos a compor uma ópera-bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonámos essa obra de escandaloso delírio – e começámos à noite a estudar Proudhon, nos três tomos da «Justiça e a Revolução na Igreja», quietos à banca com os pés em capachos como bons estudantes. Via-Láctea começou a varrer»
Foi Antero que imprimiu alguma ordem às reuniões indisciplinadas daquela mocidade turbulenta. Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, atraídos pela importância dos problemas que ali se debatiam, não tardaram em intervir. Guerra Junqueiro como poeta e irreverente revolucionário. Outro vulto que se tornou assíduo do Cenáculo foi José Fontana que viria a desempenhar um papel importante no movimento democrático socialista. Batalha Reis a ele se refere do seguinte modo:
«As conversas tomavam então o carácter que ele infalivelmente lhes imprimia: a Revolução estala para a semana. E contava pormenores, mostrava cartas recebidas, que repentinamente lhe apareciam desdobradas nas mãos, e, num momento, também desapareciam, não se viam bem como, nas algibeiras interiores (…). «A Revolução social – seguir-se-ia, ou far-se-ia de per si só, de um modo infalível, absolutamente seguro, sem possibilidade de um revés».
Foi numa atmosfera buliçosa do Cenáculo que nasceu a ideia das conferências democráticas, já sob a égide de Antero de Quental, que todos consideravam, pela sua cultura e pela pureza das suas intenções, o seu verdadeiro “maestro”. Eça, na sua crónica, intitulada “Santo Antero,” diz-nos: «E do Cenáculo, de onde, antes da vinda de Antero (que foi como a vinda do Rei Artur à confusa terra de Gales), nada poderia ter nascido além da chalaça, versos satânicos, noitadas curtidas a vinho de Torres, e farrapos de Filosofia fácil, nasceram, “mirabile dictu”, as Conferências do Casino, aurora de um mundo novo, mundo puro e novo, que depois, oh dor! creio que envelheceu e apodreceu…»
Eça descrevia, a propósito das Conferências, num dos primeiros números das “Farpas”: Antes de haver conferências no Casino havia ali “cançonetas”.Mulheres decotadas até ao estômago, com os braços nus, a “pantorrilha” ao léu, a boca avinhada, cantavam, entre toda a sorte de gestos desbragados, um reportório de cantigas impuras, obscenas, imundas! Num verso bestial, a um compasso acanalhado, ridicularizava-se aí o pudor, a família, o trabalho, a dignidade, a honra, Deus! Eram também conferências do deboche. E havia muitos alunos!»
Foi Antero que imprimiu alguma ordem às reuniões indisciplinadas daquela mocidade turbulenta. Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, atraídos pela importância dos problemas que ali se debatiam, não tardaram em intervir. Guerra Junqueiro como poeta e irreverente revolucionário. Outro vulto que se tornou assíduo do Cenáculo foi José Fontana que viria a desempenhar um papel importante no movimento democrático socialista. Batalha Reis a ele se refere do seguinte modo:
«As conversas tomavam então o carácter que ele infalivelmente lhes imprimia: a Revolução estala para a semana. E contava pormenores, mostrava cartas recebidas, que repentinamente lhe apareciam desdobradas nas mãos, e, num momento, também desapareciam, não se viam bem como, nas algibeiras interiores (…). «A Revolução social – seguir-se-ia, ou far-se-ia de per si só, de um modo infalível, absolutamente seguro, sem possibilidade de um revés».
Foi numa atmosfera buliçosa do Cenáculo que nasceu a ideia das conferências democráticas, já sob a égide de Antero de Quental, que todos consideravam, pela sua cultura e pela pureza das suas intenções, o seu verdadeiro “maestro”. Eça, na sua crónica, intitulada “Santo Antero,” diz-nos: «E do Cenáculo, de onde, antes da vinda de Antero (que foi como a vinda do Rei Artur à confusa terra de Gales), nada poderia ter nascido além da chalaça, versos satânicos, noitadas curtidas a vinho de Torres, e farrapos de Filosofia fácil, nasceram, “mirabile dictu”, as Conferências do Casino, aurora de um mundo novo, mundo puro e novo, que depois, oh dor! creio que envelheceu e apodreceu…»
Eça descrevia, a propósito das Conferências, num dos primeiros números das “Farpas”: Antes de haver conferências no Casino havia ali “cançonetas”.Mulheres decotadas até ao estômago, com os braços nus, a “pantorrilha” ao léu, a boca avinhada, cantavam, entre toda a sorte de gestos desbragados, um reportório de cantigas impuras, obscenas, imundas! Num verso bestial, a um compasso acanalhado, ridicularizava-se aí o pudor, a família, o trabalho, a dignidade, a honra, Deus! Eram também conferências do deboche. E havia muitos alunos!»
Fotos:1- Batalha Reis,; 2 - José Fontana e 3 -Eça de Queiroz.