Vem aí o Natal, que vai e vem
todos os anos, o Natal…
Partem alguns (Deus os tenha em descanso…)
outros vêm.
É Natal – é o dia de Jesus!
Jesus que foi também criança,
e menino,
e Se tornou Homem - e neste pedido não me engano.
Jesus, não Te esqueças das crianças,
que nascem e sofrem
em toda a parte,
em cada dia do ano!
Vem aí o Natal, que vai e vem
Todos os anos, o Natal…
Diz uma estrela de Belém
Que nesta Festa da Natividade
a fé é esperança mas também Humanidade.
Vem aí o Natal, que vai e vem
todos os anos, o Natal…
Desejo a todos os meus amigos e visitantes deste blogo
Um Feliz Natal
e
Boas-Festas
Álvaro Dionísio
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
A política e a justiça
Cada vez mais a minha descrença na justiça é maior e pelos vistos há muitos mais a pensar como eu, o que é grave.
Começamos pelos profissionais da política, qual nobreza abastardada e snobista que, sob a capa de republicanos e democratas disfarçados, enganam o "pagode" e avacalham a nossa sociedade. Uns quantos governam e governam-se à conta do voto da plebe - atrás do subsidiozinho e da igualdade de oportunidades (...) - e do povo e dos pseudo-letrados em universidades do pronto-a-formar em qualquer coisa , a espera de promessas cheias de nada: Engana que eu gosto! E o político profissional, sabe disso... O desemprego aumenta, a dívida pública também, mas isso é culpa da crise internacional. Os crimes aumentam, a segurança das pessoas diminuem, mas isso é mentira porque os dados homólogos do ano da carqueja, do mês do troco-passo e do relatório internacional, afirmam que Portugal é dos países mais seguros da Europa, da América e até do Mundo. Infelizmente, tenho que "botar" um pouco de humor nesta tristeza toda porque não suporto tanta mentira junta.
Como se isto fosse pouco, envolve-se ou tenta-se envolver a Justiça, os Tribunais e os magistrados nesta teia tenebrosa de "jagunços" infiltrados na política, na economia e nas finanças. O mobil é a justiça que investiga a avalia mal, e até demora uns anitos a julgar... mas isso deve-se à complexidade dos processos... ; as leis do código e do processo penais (sobretudo estas) é que devem ser de novo ajustadas às realidades recentes! La nobless oblige... Certos senhores, não podem ser objecto de escutas (indiciem elas ou não matéria criminal), porque, e esta é a verdade: se julgam acima das leis e eles são o Estado de Direito. Eis a razão por que, tão despudoradamente, atacam osTribunais sempre que estão envolvidos ou as decisões desse órgão de soberania lhes desagrada. Só desta forma se entende algumas declarações patéticas, para não dizer também senis, de parte de certos advogados. Dir-se-á que é o papel deles na defesa inocente dos constituintes. Só que isso não lhes confere o direito de "atacar publicamente" juizes e procuradores. No fundo, estes nem sequer se podem defender! A verdade, para os homens sem palavra, não vale nada. Espero que a justiça se mantenha firme e que a investigação sobre a descoberta da verdade material se sobreponha como princípio básico. Não foi Platão que disse ser amigo de Sócrates mas ainda mais amigo da verdade? É isso que todos nós devemos esperar da justiça. De uma justiça igual para todos, sem distinção de pobres ou ricos, nessa medida cega por não privilegiar ninguém.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Jazz de Olho Marinho, foto anos 39/40.
A propósito do “post” “ Os santos da casa …”, foi publicada a fotografia aqui alusiva ao conjunto – Jazz de Olho Marinho – reportada aos anos 39/40 do século XX, que não ocasião não foi possível identificar, na totalidade, os componentes do conjunto. Pedi ao meu irmão Elias que, um a um, identificou o nome de todos os músicos e os inscreveu na foto. Mais, Informou-me que só um dos componentes do Jazz, António Machadinho (o 4º sentado, à contar da esquerda) está vivo!
Aqui fica para consulta dos directamente interessados, sobretudo familiares. Para a freguesia de Olho Marinho, uma oportunidade para inscrever na história da terra esta referência cultural com mais de meio século de existência, precisamente 70 anos.
Atenção! - Para ver a foto em ponto maior é só clicar com o botão do rato sobre a fotografia.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Os santos da casa…Armando Silva Carvalho
Andar de mota e ajudar à missa
Andar de mota e ajudar à missa também me aconteceu, por volta dos 11 anos, diga-se, contra-à-vontade. O senhor António, sacristão, ressentido com padre, abandonou essa missão e eu, com a anuência dos meus pais, fui empurrado – mal - para o substituir. Não tinha jeito nem vocação. Acompanhei uma vez o padre Renato num funeral e a única coisa que fiz foi levar a caldeirinha com a água benta… Constrangeu-me de tal maneira ver os sapatos rotos do defunto que não aguentei mais olhar para ele, metia-me impressão, até hoje. Nas missas de Domingo ou em dias de festivos (casamentos e baptizados) tocava os sinos e durante a cerimónia, de acordo com a liturgia, mudava o missal de um lado para o outro do altar. O Armando, pelo que conta, parecia gostar de ajudar à missa, embora não quisesse ser padre, dando a entender que por razões económicas: A decisão (…) de frequentar o colégio das Caldas, levou o seu tempo e os seus cálculos. Para Padre, sabia que nunca iria. Toda a gente da aldeia via que o padre nem dinheiro amealhavam para umas meias solas nos sapatos. Quando ele se ajoelhava para erguer a hóstia, deixava que as mulheres avaliassem a sua miséria a começar pelos pés… (ibidem). Também o Artur Correeiro, ainda primo da minha mãe, que estudara no seminário (graças a pia intervenção da Sr.ª D. Eugénia, esposa de D. José Siqueira - da Quinta de Baixo) ajudava à missa quando vinha de férias ao Olho Marinho, em certas ocasiões. Também a vocação Artur, apesar da sua humanidade, não foi suficiente forte para o exercício do sacerdócio. Duas décadas antes (anos de 1930), também o meu tio Álvaro estudou durante seis anos num Seminário e quando vinha férias à Terra as suas preocupações pareciam ser outras. Gostava muito dos bailaricos e até tinha uma bicicleta que usava nas suas deslocações às aldeias vizinhas e nas suas incursões nocturnas. É natural que tenha ajudado uma ou outra vez à missa mas não me lembro da família referir esse facto. Bem pelo contrário, o que se dizia – as vizinhas sobretudo – é que ele não tinha vocação para padre: Ah, Palmira, o teu filho olha muito para as pernas das raparigas… A minha avó, afinava!
Havia porém, já naquele tempo (anos 30 e 40 do século XX), outras actividades como o teatro em que, segundo testemunho oral, o meu tio Álvaro participava com notável desempenho. Não estou a par das actividades culturais da terra mas pelo pouco que me foi dado observar, há um certo abandono e é pena. Contar-se-á, provavelmente pelos dedos de uma das mãos, aqueles que conhecem o percurso literário do Armando Silva Carvalho ou que tenham lido alguma obra sua. Foi por isso, à laia de reflexão, que me atrevi a escrever no blogue que os santos da casa não fazem milagres…
Andar de mota e ajudar à missa também me aconteceu, por volta dos 11 anos, diga-se, contra-à-vontade. O senhor António, sacristão, ressentido com padre, abandonou essa missão e eu, com a anuência dos meus pais, fui empurrado – mal - para o substituir. Não tinha jeito nem vocação. Acompanhei uma vez o padre Renato num funeral e a única coisa que fiz foi levar a caldeirinha com a água benta… Constrangeu-me de tal maneira ver os sapatos rotos do defunto que não aguentei mais olhar para ele, metia-me impressão, até hoje. Nas missas de Domingo ou em dias de festivos (casamentos e baptizados) tocava os sinos e durante a cerimónia, de acordo com a liturgia, mudava o missal de um lado para o outro do altar. O Armando, pelo que conta, parecia gostar de ajudar à missa, embora não quisesse ser padre, dando a entender que por razões económicas: A decisão (…) de frequentar o colégio das Caldas, levou o seu tempo e os seus cálculos. Para Padre, sabia que nunca iria. Toda a gente da aldeia via que o padre nem dinheiro amealhavam para umas meias solas nos sapatos. Quando ele se ajoelhava para erguer a hóstia, deixava que as mulheres avaliassem a sua miséria a começar pelos pés… (ibidem). Também o Artur Correeiro, ainda primo da minha mãe, que estudara no seminário (graças a pia intervenção da Sr.ª D. Eugénia, esposa de D. José Siqueira - da Quinta de Baixo) ajudava à missa quando vinha de férias ao Olho Marinho, em certas ocasiões. Também a vocação Artur, apesar da sua humanidade, não foi suficiente forte para o exercício do sacerdócio. Duas décadas antes (anos de 1930), também o meu tio Álvaro estudou durante seis anos num Seminário e quando vinha férias à Terra as suas preocupações pareciam ser outras. Gostava muito dos bailaricos e até tinha uma bicicleta que usava nas suas deslocações às aldeias vizinhas e nas suas incursões nocturnas. É natural que tenha ajudado uma ou outra vez à missa mas não me lembro da família referir esse facto. Bem pelo contrário, o que se dizia – as vizinhas sobretudo – é que ele não tinha vocação para padre: Ah, Palmira, o teu filho olha muito para as pernas das raparigas… A minha avó, afinava!
Havia porém, já naquele tempo (anos 30 e 40 do século XX), outras actividades como o teatro em que, segundo testemunho oral, o meu tio Álvaro participava com notável desempenho. Não estou a par das actividades culturais da terra mas pelo pouco que me foi dado observar, há um certo abandono e é pena. Contar-se-á, provavelmente pelos dedos de uma das mãos, aqueles que conhecem o percurso literário do Armando Silva Carvalho ou que tenham lido alguma obra sua. Foi por isso, à laia de reflexão, que me atrevi a escrever no blogue que os santos da casa não fazem milagres…
Álvaro (tio)
sábado, 10 de outubro de 2009
Afinidades e curiosidades
Desde miúdo, que me lembro da minha avó Palmira chamar de prima a mãe do Armando Silva Carvalho, que tinha mais uma irmã e um irmão. Ao ler O Livro do Meio, a genealogia do autor reavivou-me a curiosidade. Assim, do lado materno do Armando (paterno meu) existe uma descendência remota: A minha avó Palmira e a mãe do Armando eram primas direitas (e mais dois irmãos) porque a mãe de ambas eram irmãs.
Segundo rabisquei de umas notas antigas do meu tio Álvaro, que foi amanuense no registo civil de Óbidos, a mãe da minha avó chamava-se Lúcia de Jesus.
Avó ( Palmira de Jesus-1888-1968)
Mas há outras curiosidades… O Armando Carvalho recorda alguns episódios passados com o padre Renato que já não me lembrava ou desconhecia. Parece que o nosso Prior tinha uma raiva danada aos cães que lhe ladravam… Sabia que ele tinha a pancada de andar à noitinha pelas ruelas de ouvido cosido às casas, a escutar as conversas e saber se os paroquianos falavam mal dele. Não sabia que o padre tinha medo do barulho como conta o Armando: Ele tinha medo de tudo que fosse barulho. Uma tarde em plena festa de Agosto, hora da procissão, hora solene, o Padre Renato dera o fora e ninguém sabia para onde. Os foguetes rebentavam no ar, as crianças sujavam as fatiotas, os festeiros suavam encasacados, os anjinhos mijavam no cetim barato das suas vestes (…), só faltava o padre. Prossegue: Fui eu e o meu pai, com denúncia privada da Carlota, quem soube onde ele se escondia (…) trazê-lo muito a custo (op. cit p.165).
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Os santos da casa…Armando Silva Carvalho
Olho Marinho - Impressão
Ao ler O Livro do Meio, revisitei a aldeia onde nasci, o Olho Marinho e a qual deixei aos 13 anos para vir para Lisboa, também para tratar da vida. Ocorreram entretanto meio século e não obstante o desenvolvimento natural e trazido, em parte, com o 25 de Abril de 1974 (Equipamento social – ATL, Jardim de Infância, Centro Social Cultural/IPSS, Centro de Saúde e a Caixa de Crédito Agrícola ligada a actividade primária) culturalmente, o Olho Marinho continua pobre e isso dá que pensar… Julgo que o Olho Marinho, ficou órfão com a morte de Salazar, a saída ou o desaparecimento de figuras marcantes e tutelares como os professores primários (Roque, Albino ou Carreira), o médico Dr. Campos e o Padre Renato, sem esquecer a União Amigos de Olho Marinho e o seu esforçado trabalho e obras realizadas a partir da Capital (Lisboa).
Apesar da distância em relação ao passado – um pouco mais de quatro décadas – e do desenvolvimento tecnológico, da comunicação e multimédia on line, da globalização da economia, do político e do social actuais, estamos hoje mais pobres, do ponto de vista de identidade cultural e dos valores, do que antes.
Voltando à freguesia do Olho Marinha, constatamos isso mesmo. Depois que o padre Renato de lá saiu, grande parte das actividades culturais e de entretenimento deixaram de existir, por exemplo: jogos de voleibol para os jovens, as caminhadas, jogos de salão e de mesa; a música e o canto, as danças ou bailes; o teatro e as pinturas. Como descreve Armando Carvalho no Livro do Meio: O padre Renato tinha editado na Sasseti várias composições que eu não sabia nem seria capaz de apreciar. Na sua residência, onde dominava uma velha Carlota de bigode, havia um piano apoquentado pelo húmido e pelo desacerto. Mais adiante, acrescenta: O padre Renato, que Deus tem certamente encostado à porta das oratórias mais arrebatadas, ensinava-me solfejo, pintura a óleo em tela natural e alguns conselhos práticos para evitar o pecado.
Também em relação ao seu professor, que no tempo da escola primária era o professor Albino, Armando escreve: O meu verdadeiro professor era filho de um padre que deixou de o ser, e nasceu em Óbidos. O professor Albino (…), devotado católico, deu-nos a todos uma esmerada educação religiosa, além de uma boa instrução primária.
Sobreviveu o Rancho de Olho Marinho, graças ao Mário, o Corneta!
Ao ler O Livro do Meio, revisitei a aldeia onde nasci, o Olho Marinho e a qual deixei aos 13 anos para vir para Lisboa, também para tratar da vida. Ocorreram entretanto meio século e não obstante o desenvolvimento natural e trazido, em parte, com o 25 de Abril de 1974 (Equipamento social – ATL, Jardim de Infância, Centro Social Cultural/IPSS, Centro de Saúde e a Caixa de Crédito Agrícola ligada a actividade primária) culturalmente, o Olho Marinho continua pobre e isso dá que pensar… Julgo que o Olho Marinho, ficou órfão com a morte de Salazar, a saída ou o desaparecimento de figuras marcantes e tutelares como os professores primários (Roque, Albino ou Carreira), o médico Dr. Campos e o Padre Renato, sem esquecer a União Amigos de Olho Marinho e o seu esforçado trabalho e obras realizadas a partir da Capital (Lisboa).
Apesar da distância em relação ao passado – um pouco mais de quatro décadas – e do desenvolvimento tecnológico, da comunicação e multimédia on line, da globalização da economia, do político e do social actuais, estamos hoje mais pobres, do ponto de vista de identidade cultural e dos valores, do que antes.
Voltando à freguesia do Olho Marinha, constatamos isso mesmo. Depois que o padre Renato de lá saiu, grande parte das actividades culturais e de entretenimento deixaram de existir, por exemplo: jogos de voleibol para os jovens, as caminhadas, jogos de salão e de mesa; a música e o canto, as danças ou bailes; o teatro e as pinturas. Como descreve Armando Carvalho no Livro do Meio: O padre Renato tinha editado na Sasseti várias composições que eu não sabia nem seria capaz de apreciar. Na sua residência, onde dominava uma velha Carlota de bigode, havia um piano apoquentado pelo húmido e pelo desacerto. Mais adiante, acrescenta: O padre Renato, que Deus tem certamente encostado à porta das oratórias mais arrebatadas, ensinava-me solfejo, pintura a óleo em tela natural e alguns conselhos práticos para evitar o pecado.
Também em relação ao seu professor, que no tempo da escola primária era o professor Albino, Armando escreve: O meu verdadeiro professor era filho de um padre que deixou de o ser, e nasceu em Óbidos. O professor Albino (…), devotado católico, deu-nos a todos uma esmerada educação religiosa, além de uma boa instrução primária.
Sobreviveu o Rancho de Olho Marinho, graças ao Mário, o Corneta!
No Início da década de 1940, ou um pouco mais, existia um conjunto – o jazz – de Olho Marinho. Dele faziam parte o meu pai, o meu tio Álvaro, o Arsénio Cozinheiro, o Machadinho e outros mais que não consigo ligar seus nomes. Creio que esse conjunto nasceu devido à carolice, paixão e dedicação de um maestro que nem sequer era natural da terra… Infelizmente, não ouve seguidores…
Refere o Armando Carvalho, no seu livro, que em casa dos Lavaduras não havia biblioteca… E eu interrogue-me se em todo o Olho Marinho havia uma biblioteca naquele tempo. Vou mais longe: existe hoje alguma biblioteca ou museu? – Creio que a resposta é negativa mas a crítica construtiva. Porque não começar a construir uma biblioteca nos espaços existentes no edifico da sede União Amigos de Olho Marinho ou outro onde esteja ou venha a estar instalado o equipamento de Internet? Há jovens que poderão estar interessados em participar activamente na história da sua terra!
As gerações que frequentaram a escola primária a seguir a II Guerra Mundial tinham grandes dificuldades económicas e eram pobres em quase tudo… Eram muitos os miúdos da aldeia que andavam descalços e passavam mal. Concluir a instrução primária era já um avanço… Em Olho Marinho, o exame da 4ª classe era feito em Óbidos, como precisa Armando Carvalho: Quando fiz o exame final da escola primária fui fazê-lo a Óbidos, numa escola baixinha, que havia no largo lá em cima, perto da porta da Cerca.
As gerações que frequentaram a escola primária a seguir a II Guerra Mundial tinham grandes dificuldades económicas e eram pobres em quase tudo… Eram muitos os miúdos da aldeia que andavam descalços e passavam mal. Concluir a instrução primária era já um avanço… Em Olho Marinho, o exame da 4ª classe era feito em Óbidos, como precisa Armando Carvalho: Quando fiz o exame final da escola primária fui fazê-lo a Óbidos, numa escola baixinha, que havia no largo lá em cima, perto da porta da Cerca.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Os santos da casa…Armando Silva Carvalho
O Livro do Meio
Já aqui no Itinerante foi referido o nome de Armando Silva Carvalho a propósito de A cultura e os filhos da terra. Agora, acabei de ler, com afincado prazer, o Livro do Meio da sua autoria e de Maria Velho da Costa.
Trata-se de um romance epistolar onde ambos autores retractam – com alguma ironia mútua - as suas origens e infância. O Armando, de famílias rurais - os Lavaduras - natural de Olho Marinho, concelho de Óbidos, e Maria Velho da Costa, pequeno – burguesa, filha de pai militar (oficial - comandante) e “mãe fina”. Ele proveniente do meio rural, ela do meio citadino. Têm em comum o nascimento no ano de 1938; ambos escritores reconhecidos e vasta obra publicada com prémios atribuídos. Politicamente, situam-se à esquerda: entre o PS ou esquerda caviar e o PC.
Fruto da convivida amizade e cumplicidades, decidiram ambos pôr a sua escrita em dia, que é como quem diz, a sua correspondência num livro. Fizeram de uma forma Grande, elegante e sem tabus, despidos de preconceitos. Pessoalmente, admirei bastante a coragem da exposição pública das suas vidas, família, amigos que o foram, ao estilo das Liaisons Dangereuses (Ligações Perigosas) de Choderlos de Laclos e de uma forma erudita apreciável. A crítica é favorável como se pode ler no extracto abaixo publicado no jornal Público, na ocasião:
« Ninguém estranhará que comece por reconhecer que a memorialística portuguesa é pobre. (…) Em Portugal, o busílis não está do lado de quem fez, está do lado das omissões. Se pensarmos naqueles que não arriscaram uma linha, e são quase todos, temos a medida do que somos.
…«Não admira que O Livro do Meio seja motivo de escândalo e atrabile. O país dos interditos convive mal com movimentos de câmara lenta. O rumor surdo da perplexidade traduz as reticências de regra. Afinal, o que é que leva dois autores consagrados, Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa, nascidos ambos em 1938, à desabusada escavação da infância? Por que é que, sem perder Laclos de vista, foram ambos induzidos à narrativa da intriga? Valmont e a Merteuil trocaram o castelo de Madame de Rosemond pelo British Quintal? (O British Quintal é o jardim da casa de Maria Velho da Costa.) Pergunta ela: «E que fizemos à Merteuil e ao Visconde? / Devem ter-se tolhido com a tua abominação da aristocracia, a querela de classes, o Terror.» A questão não é inocente. E o protocolo não engana: nos interstícios do passado insinua-se a prova do quotidiano. Leitura do mundo: obras, autores, prémios, família, castas, ódios, equívocos, querela, política, dinheiro.
Ele vem da pequena burguesia rural, do tempo em que todos se roçavam para chegar a Rousseau, mas, ainda rapaz, tinha ou julgou ter «outras Luzes guias, outros holofotes virados para as bandas do colectivo.» Valmont também conquistou o seu destino, e há-de ter lido O Contrato Social. Ela vem da burguesia instalada no Ancien Régime, viu mundo, o lusco-fusco do British Quintal ajuda-a a enfrentar o passado: «Os afectos são flutuantes. É o que os torna perigosos. Mesmo no seio da família, ou pior ainda. Quem diria que, depois de amar tão apaixonadamente os meus, poderia ir até à aversão? Que mutila. O ódio mutila.» Pai militar, «bisonho e frugal», mãe amante do luxo: «Perfumes, jóias, sedas, peles, comida requintada. E de dançar e de sair.» Ele a brincar aos padres em Olho Marinho: «O padre foi, aliás, na panóplia de seres que andavam à volta dos meus anos tenríssimos, o meu homem de saias.» Lenta descoberta da sexualidade num tempo em que «o sexo não existia em lado nenhum do corpo que a gente desse por isso.» Ela no Bairro Azul. Ele numa «província abaixo da meia-tigela [...] e não me peca a alma ao dizer que tinha costeleta de porco uma vez por semana após a missa. Outros comeriam feijões, pão duro, e quando.» Nítidas, as origens. A mnemónica deixa cicatrizes. O rapaz veio para a cidade, estudar e fazer pela vida. A rapariga não esqueceu o crivo apertado do Palácio das Madres, feudo das “Grandes”, um dia libertou-se e percebeu: «É toda uma cópia de contrastes, esta vida.» Muita água passou sob as pontes. Estão sentados no British Quintal, fazem parte do Meio, não há como fugir ao Meio, são consequência do Meio. Ela não poupa no desdém: «Há pouca gente tão ignara e arrogante como esses oxfordinhos de segunda. Cheios de mofo daqueles departamentos que fenecem, daqueles parques infantis para adultos, que consentem, salvo raras excepções entrincheiradas na excentricidade, dar diplomas a medíocres que seriam, na Sorbonne ou no MIT, mandados de volta à instrução primária.» Ele, sem sair da mesma área sociológica, tem o seu quinhão.… Quem conheça a obra dos co-autores encontra aqui um prolongamento das obsessões de ambos. O Armando Silva Carvalho de Portuguex (romance, 1977) ou de Elena e as Mãos dos Homens (contos, 2003) plasma-se na prosa sacudida desta “correspondência”. O mesmo se diga de Maria Velho da Costa, operando em flashback. Ouvindo-a discorrer sobre o rito de passagem que representou o Palácio das Madres, somos levados a recordar episódios do primeiro livro, Lugar Comum (contos, 1966), ou mesmo daquele Maina Mendes (romance, 1969) que definitivamente a consagrou. No seu desconstruir metódico, O Livro do Meio põe a nu a tensão dialógica que as obras respectivas estabelecem entre si. Uma mais-valia nada despicienda, convenhamos.»
Já aqui no Itinerante foi referido o nome de Armando Silva Carvalho a propósito de A cultura e os filhos da terra. Agora, acabei de ler, com afincado prazer, o Livro do Meio da sua autoria e de Maria Velho da Costa.
Trata-se de um romance epistolar onde ambos autores retractam – com alguma ironia mútua - as suas origens e infância. O Armando, de famílias rurais - os Lavaduras - natural de Olho Marinho, concelho de Óbidos, e Maria Velho da Costa, pequeno – burguesa, filha de pai militar (oficial - comandante) e “mãe fina”. Ele proveniente do meio rural, ela do meio citadino. Têm em comum o nascimento no ano de 1938; ambos escritores reconhecidos e vasta obra publicada com prémios atribuídos. Politicamente, situam-se à esquerda: entre o PS ou esquerda caviar e o PC.
Fruto da convivida amizade e cumplicidades, decidiram ambos pôr a sua escrita em dia, que é como quem diz, a sua correspondência num livro. Fizeram de uma forma Grande, elegante e sem tabus, despidos de preconceitos. Pessoalmente, admirei bastante a coragem da exposição pública das suas vidas, família, amigos que o foram, ao estilo das Liaisons Dangereuses (Ligações Perigosas) de Choderlos de Laclos e de uma forma erudita apreciável. A crítica é favorável como se pode ler no extracto abaixo publicado no jornal Público, na ocasião:
« Ninguém estranhará que comece por reconhecer que a memorialística portuguesa é pobre. (…) Em Portugal, o busílis não está do lado de quem fez, está do lado das omissões. Se pensarmos naqueles que não arriscaram uma linha, e são quase todos, temos a medida do que somos.
…«Não admira que O Livro do Meio seja motivo de escândalo e atrabile. O país dos interditos convive mal com movimentos de câmara lenta. O rumor surdo da perplexidade traduz as reticências de regra. Afinal, o que é que leva dois autores consagrados, Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa, nascidos ambos em 1938, à desabusada escavação da infância? Por que é que, sem perder Laclos de vista, foram ambos induzidos à narrativa da intriga? Valmont e a Merteuil trocaram o castelo de Madame de Rosemond pelo British Quintal? (O British Quintal é o jardim da casa de Maria Velho da Costa.) Pergunta ela: «E que fizemos à Merteuil e ao Visconde? / Devem ter-se tolhido com a tua abominação da aristocracia, a querela de classes, o Terror.» A questão não é inocente. E o protocolo não engana: nos interstícios do passado insinua-se a prova do quotidiano. Leitura do mundo: obras, autores, prémios, família, castas, ódios, equívocos, querela, política, dinheiro.
Ele vem da pequena burguesia rural, do tempo em que todos se roçavam para chegar a Rousseau, mas, ainda rapaz, tinha ou julgou ter «outras Luzes guias, outros holofotes virados para as bandas do colectivo.» Valmont também conquistou o seu destino, e há-de ter lido O Contrato Social. Ela vem da burguesia instalada no Ancien Régime, viu mundo, o lusco-fusco do British Quintal ajuda-a a enfrentar o passado: «Os afectos são flutuantes. É o que os torna perigosos. Mesmo no seio da família, ou pior ainda. Quem diria que, depois de amar tão apaixonadamente os meus, poderia ir até à aversão? Que mutila. O ódio mutila.» Pai militar, «bisonho e frugal», mãe amante do luxo: «Perfumes, jóias, sedas, peles, comida requintada. E de dançar e de sair.» Ele a brincar aos padres em Olho Marinho: «O padre foi, aliás, na panóplia de seres que andavam à volta dos meus anos tenríssimos, o meu homem de saias.» Lenta descoberta da sexualidade num tempo em que «o sexo não existia em lado nenhum do corpo que a gente desse por isso.» Ela no Bairro Azul. Ele numa «província abaixo da meia-tigela [...] e não me peca a alma ao dizer que tinha costeleta de porco uma vez por semana após a missa. Outros comeriam feijões, pão duro, e quando.» Nítidas, as origens. A mnemónica deixa cicatrizes. O rapaz veio para a cidade, estudar e fazer pela vida. A rapariga não esqueceu o crivo apertado do Palácio das Madres, feudo das “Grandes”, um dia libertou-se e percebeu: «É toda uma cópia de contrastes, esta vida.» Muita água passou sob as pontes. Estão sentados no British Quintal, fazem parte do Meio, não há como fugir ao Meio, são consequência do Meio. Ela não poupa no desdém: «Há pouca gente tão ignara e arrogante como esses oxfordinhos de segunda. Cheios de mofo daqueles departamentos que fenecem, daqueles parques infantis para adultos, que consentem, salvo raras excepções entrincheiradas na excentricidade, dar diplomas a medíocres que seriam, na Sorbonne ou no MIT, mandados de volta à instrução primária.» Ele, sem sair da mesma área sociológica, tem o seu quinhão.… Quem conheça a obra dos co-autores encontra aqui um prolongamento das obsessões de ambos. O Armando Silva Carvalho de Portuguex (romance, 1977) ou de Elena e as Mãos dos Homens (contos, 2003) plasma-se na prosa sacudida desta “correspondência”. O mesmo se diga de Maria Velho da Costa, operando em flashback. Ouvindo-a discorrer sobre o rito de passagem que representou o Palácio das Madres, somos levados a recordar episódios do primeiro livro, Lugar Comum (contos, 1966), ou mesmo daquele Maina Mendes (romance, 1969) que definitivamente a consagrou. No seu desconstruir metódico, O Livro do Meio põe a nu a tensão dialógica que as obras respectivas estabelecem entre si. Uma mais-valia nada despicienda, convenhamos.»
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Julgamento de Nuremberga-II
Réus , crimes e condenações
Dos 22 chefes nazistas julgados em Nuremberga, apenas um, Martin Bormann, condenado à morte, não esteve no banco dos réus. Dado como morto ou em fuga, foi condenado a revelia. Robert Ley, antigo chefe da Frente de Trabalho da Alemanha, suicidou-se antes do início do julgamento e Alfred Krupp, proprietário das grandes fábricas Krupp, salvo das leis do processo por uma doença providencial.
Todos os outros réus não se consideraram culpados quanto ao libelo de vinte e quarto mil palavras que os acusava de 4 crimes: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. Os julgados foram:
Hermann Wilhelm Goering, 53 anos, antigo chefe da Aviação alemã e sucessor designado por Hitler e seu partidário desde o início, tendo tomado parte no malogrado golpe de Munique em 1923. Como ministro do Interior, interino, da Prússia, em 1933, assinou a primeira lei criando a Gestapo e os campos de concentração naquele Estado. Foi acusado de ser responsável pelo fuzilamento dos homens dos «comandos» aliados e de ter planeado o emprego de trabalho escravo e de ter ordenado o bombardeamento das cidades abertas de Coventry, Varsóvia e Roterdão. Goering foi condenado à morte por enforcamento, mas menos de duas horas antes de subir ao cadafalso ingeriu uma ampola de cianeto de potássio que trazia escondida. Morreu em poucos minutos na própria cela. Goerin foi considerado culpado das 4 acusações que sobre ele impendiam.
Joachim von Ribbentrop, 53 anos, ex-embaixador em Londres, serviu Hitler como ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1938 até ao colapso da Alemanha. Foi acusado de participar no extermínio racial, de ordenar o linchamento de aviadores aliados, de ter promovido a subida de Hitler ao Poder dos nazis e de ter aberto o caminho para as sucessivas agressões na Europa. Foi condenado à forca pelos 4 crimes de que era acusado.
Rudolf Hess, de 52 anos, aera adjunto de Hitler e seu adepto do nazismo desde o princípio. Fazia parte do gabinete ministerial da Defesa na véspera das forças alemãs invadirem a Polónia. Esteve a par das agressões contra a Áustria e a Checoslováquia e participou na execução desses ataques. Foi acusado de cumplicidade nas perseguições nazis aos adversários políticos, aos judeus e às diferentes Igrejas. Foi considerado culpado das duas primeiras acusações (conspiração e crimes contra a paz) e condenado a prisão por perpétua.
Hjalmar Schacht, o «feiticeiro» das Finanças, partidário activo dos nazis. Desempenhou um papel importante no vigoroso programa de armamento, utilizando recursos do Reichsbank de que era presidente do conselho de administração desse organismo financeiro, entre 1933 e 1937. Depois foi ministro da Economia de 1936 a 1939. No decurso da sua defesa insistiu que fora inimigo de Hitler e do regime nazi. Foi considerado isento de culpas e absolvido.
Exterminação
Ernest Kaltenbrunner, 43 anos, antigo chefe da Polícia de Segurança e adjunto de Heinrich Himmler, declarou «supor» não ser criminoso. Foi acusado de ordenar a execução de «indesejáveis» políticos e de morticínios em massa de civis nos territórios ocupados da Europa Ocidental e, principalmente, de crimes contra a Humanidade, ligados ao sistema dos campos de concentração. Considerado culpado pelas 3 acusações (conspiração, crimes contra a paz e crimes de guerra), foi condenado à morte por enforcamento.
Julius Streicher, de 61 anos, carrasco número um dos judeus, foi considerado pela acusação de «animal peçonhento e vulgar que manipulou e destribuiu imundos libelos raciais para auxiliar a progressiva e selvagem operação de depuração de raça». Também considerado culpado quanto à quarta acusação (crimes contra a Humanidade), foi condenado à forca.
Hans Frank, 46 anos qualificado como responsável pelas chacinas em grande escala, particularmente de «crimes de guerra contra a Humanidade, na administração de territórios ocupados», condenado à forca pelos 3 últimos crimes.
O marechal Wilhelm Keitel, de 63 anos, antigo chefe do estado-maior da Alemanha, foi julgado criminoso relativamente às 4 acusações, sublinhando-se que, por investigação sua, prisioneiros de guerra russos foram empregados na produção de material militar na Alemanha. Uma ordem de Keitel citado no Tribunal dizia que «por cada soldado alemão morto», de 50 a 100 comunistas deviam ser condenados à morte». Keitel foi condenado à forca.
Dos 22 chefes nazistas julgados em Nuremberga, apenas um, Martin Bormann, condenado à morte, não esteve no banco dos réus. Dado como morto ou em fuga, foi condenado a revelia. Robert Ley, antigo chefe da Frente de Trabalho da Alemanha, suicidou-se antes do início do julgamento e Alfred Krupp, proprietário das grandes fábricas Krupp, salvo das leis do processo por uma doença providencial.
Todos os outros réus não se consideraram culpados quanto ao libelo de vinte e quarto mil palavras que os acusava de 4 crimes: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. Os julgados foram:
Hermann Wilhelm Goering, 53 anos, antigo chefe da Aviação alemã e sucessor designado por Hitler e seu partidário desde o início, tendo tomado parte no malogrado golpe de Munique em 1923. Como ministro do Interior, interino, da Prússia, em 1933, assinou a primeira lei criando a Gestapo e os campos de concentração naquele Estado. Foi acusado de ser responsável pelo fuzilamento dos homens dos «comandos» aliados e de ter planeado o emprego de trabalho escravo e de ter ordenado o bombardeamento das cidades abertas de Coventry, Varsóvia e Roterdão. Goering foi condenado à morte por enforcamento, mas menos de duas horas antes de subir ao cadafalso ingeriu uma ampola de cianeto de potássio que trazia escondida. Morreu em poucos minutos na própria cela. Goerin foi considerado culpado das 4 acusações que sobre ele impendiam.
Joachim von Ribbentrop, 53 anos, ex-embaixador em Londres, serviu Hitler como ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1938 até ao colapso da Alemanha. Foi acusado de participar no extermínio racial, de ordenar o linchamento de aviadores aliados, de ter promovido a subida de Hitler ao Poder dos nazis e de ter aberto o caminho para as sucessivas agressões na Europa. Foi condenado à forca pelos 4 crimes de que era acusado.
Rudolf Hess, de 52 anos, aera adjunto de Hitler e seu adepto do nazismo desde o princípio. Fazia parte do gabinete ministerial da Defesa na véspera das forças alemãs invadirem a Polónia. Esteve a par das agressões contra a Áustria e a Checoslováquia e participou na execução desses ataques. Foi acusado de cumplicidade nas perseguições nazis aos adversários políticos, aos judeus e às diferentes Igrejas. Foi considerado culpado das duas primeiras acusações (conspiração e crimes contra a paz) e condenado a prisão por perpétua.
Hjalmar Schacht, o «feiticeiro» das Finanças, partidário activo dos nazis. Desempenhou um papel importante no vigoroso programa de armamento, utilizando recursos do Reichsbank de que era presidente do conselho de administração desse organismo financeiro, entre 1933 e 1937. Depois foi ministro da Economia de 1936 a 1939. No decurso da sua defesa insistiu que fora inimigo de Hitler e do regime nazi. Foi considerado isento de culpas e absolvido.
Exterminação
Ernest Kaltenbrunner, 43 anos, antigo chefe da Polícia de Segurança e adjunto de Heinrich Himmler, declarou «supor» não ser criminoso. Foi acusado de ordenar a execução de «indesejáveis» políticos e de morticínios em massa de civis nos territórios ocupados da Europa Ocidental e, principalmente, de crimes contra a Humanidade, ligados ao sistema dos campos de concentração. Considerado culpado pelas 3 acusações (conspiração, crimes contra a paz e crimes de guerra), foi condenado à morte por enforcamento.
Julius Streicher, de 61 anos, carrasco número um dos judeus, foi considerado pela acusação de «animal peçonhento e vulgar que manipulou e destribuiu imundos libelos raciais para auxiliar a progressiva e selvagem operação de depuração de raça». Também considerado culpado quanto à quarta acusação (crimes contra a Humanidade), foi condenado à forca.
Hans Frank, 46 anos qualificado como responsável pelas chacinas em grande escala, particularmente de «crimes de guerra contra a Humanidade, na administração de territórios ocupados», condenado à forca pelos 3 últimos crimes.
O marechal Wilhelm Keitel, de 63 anos, antigo chefe do estado-maior da Alemanha, foi julgado criminoso relativamente às 4 acusações, sublinhando-se que, por investigação sua, prisioneiros de guerra russos foram empregados na produção de material militar na Alemanha. Uma ordem de Keitel citado no Tribunal dizia que «por cada soldado alemão morto», de 50 a 100 comunistas deviam ser condenados à morte». Keitel foi condenado à forca.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Julgamento de Nuremberga-I
Clausewitz, general prussiano no século XIX definia a guerra como «um acto de violência para o qual não há limitação». Para este militar «a guerra é a continuação da política por outros meios».
Para o escritor Pierre Naville, todas as guerras giram em torno de dois conceitos: «a guerra absoluta, que corresponde ao ideal militar, e a guerra como instrumento da política».
Para Hitler a guerra deve substituir a política e para a corrente marxista a guerra e a política identificam-se.
Qualquer que seja a definição e o conceito de guerra – sempre ligada à política, como meio ou instrumento – de permeio ficam os crimes.
São os crimes de guerra que a história regista e que não se deve esquecer. A esse respeito, os massacres e genocídios nazis, estão ainda presentes.
A 20 de Novembro de 1945, o Tribunal de Justiça Internacional de Nuremberga iniciativa um dos mais discutidos julgamentos da história contemporânea. O julgamento de Nuremberga que reunia os vencedores da 2ª guerra mundial para julgar crimes cometidos pelo regime do III Reich : americanos, ingleses, russos e franceses. Havia em mãos documentos comprovadores dos crimes cometidos durante os anos do poder nazista na Alemanha e as suas consequências na Europa e no mundo, decidiram-se todos pelo julgamento dos envolvidos na guerra concebida pelo III Reich, no caso, vinte e dois dos mais destacados dirigentes nazistas.
Eram quatro as acusações que pesavam sobre os incriminados: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A todos foi permitida a escolha dos defensores, advogados ou não, mas essa missão tão ingrata quanto impossível, pois os acusadores, entre os quais, o mais destacado foi o norte-americano Robert Jackson. A maré de sangue havia sido estancado há apenas meses! As provas eram irrefutáveis e toda a Humanidade, horrorizada, pedia justiça para os milhões de inocentes que foram estrangulados pela máquina satânica do nazismo.
Emocionalmente, estava tudo preparado para a condenação dos réus. Os crimes contra eles avolumavam-se em pilhas de documentos apreendidos, em milhares de depoimentos, em milhões de pessoas massacradas, vítimas do selvático regime que conduziu os destinos da Alemanha durante anos.
Contudo, muitas são as objecções levantadas em torno do que se passou em Nuremberga. Como encarar o julgamento fora de um contexto estritamente político? Quais os fundamentos e as regras jurídicas que justificaram as penas? Violou-se o princípio de que não há pena sem lei (nulla poena sine lege ). Como compreender a absolvição de três dos acusados que, como era do conhecimento do Tribunal, foram peças importantes na máquina do III Reich?
Mas como julgar os dirigentes nazistas senão ajustando o mais possível as regras em vigor naquela época aos crimes por eles cometidos? Era preciso encarar no plano concreto os seguidores de Hitler. A via adoptada pelo Tribunal de Nuremberga continua a levantar muitas dúvidas, mas era impossível acatar a repetição daquilo que se verificou durante o julgamento de Leipzig a seguir a derrota alemã na primeira guerra mundial.
O julgamento de Nuremberga é geralmente qualificado como o maior julgamento da história (403 audiências plenárias e 2 400 horas de trabalho initerrupto…). A que realidades corresponde esta designação? Quando o encaramos pelos seus aspectos jurídico, político, moral e psicológico, não há dúvida que a designação se ajusta perfeitamente aos factos. Pela primeira vez se lançaram os alicerces de uma legislação penal internacional assente num princípio até então inteiramente desconhecido: a guerra de agressão passou a ser considerada um crime punível com a pena de morte, e o assassínio colectivo, o massacre por motivos raciais, religiosos ou quaisquer outros, designados com os mais hediondos delitos.
Para o escritor Pierre Naville, todas as guerras giram em torno de dois conceitos: «a guerra absoluta, que corresponde ao ideal militar, e a guerra como instrumento da política».
Para Hitler a guerra deve substituir a política e para a corrente marxista a guerra e a política identificam-se.
Qualquer que seja a definição e o conceito de guerra – sempre ligada à política, como meio ou instrumento – de permeio ficam os crimes.
São os crimes de guerra que a história regista e que não se deve esquecer. A esse respeito, os massacres e genocídios nazis, estão ainda presentes.
A 20 de Novembro de 1945, o Tribunal de Justiça Internacional de Nuremberga iniciativa um dos mais discutidos julgamentos da história contemporânea. O julgamento de Nuremberga que reunia os vencedores da 2ª guerra mundial para julgar crimes cometidos pelo regime do III Reich : americanos, ingleses, russos e franceses. Havia em mãos documentos comprovadores dos crimes cometidos durante os anos do poder nazista na Alemanha e as suas consequências na Europa e no mundo, decidiram-se todos pelo julgamento dos envolvidos na guerra concebida pelo III Reich, no caso, vinte e dois dos mais destacados dirigentes nazistas.
Eram quatro as acusações que pesavam sobre os incriminados: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A todos foi permitida a escolha dos defensores, advogados ou não, mas essa missão tão ingrata quanto impossível, pois os acusadores, entre os quais, o mais destacado foi o norte-americano Robert Jackson. A maré de sangue havia sido estancado há apenas meses! As provas eram irrefutáveis e toda a Humanidade, horrorizada, pedia justiça para os milhões de inocentes que foram estrangulados pela máquina satânica do nazismo.
Emocionalmente, estava tudo preparado para a condenação dos réus. Os crimes contra eles avolumavam-se em pilhas de documentos apreendidos, em milhares de depoimentos, em milhões de pessoas massacradas, vítimas do selvático regime que conduziu os destinos da Alemanha durante anos.
Contudo, muitas são as objecções levantadas em torno do que se passou em Nuremberga. Como encarar o julgamento fora de um contexto estritamente político? Quais os fundamentos e as regras jurídicas que justificaram as penas? Violou-se o princípio de que não há pena sem lei (nulla poena sine lege ). Como compreender a absolvição de três dos acusados que, como era do conhecimento do Tribunal, foram peças importantes na máquina do III Reich?
Mas como julgar os dirigentes nazistas senão ajustando o mais possível as regras em vigor naquela época aos crimes por eles cometidos? Era preciso encarar no plano concreto os seguidores de Hitler. A via adoptada pelo Tribunal de Nuremberga continua a levantar muitas dúvidas, mas era impossível acatar a repetição daquilo que se verificou durante o julgamento de Leipzig a seguir a derrota alemã na primeira guerra mundial.
O julgamento de Nuremberga é geralmente qualificado como o maior julgamento da história (403 audiências plenárias e 2 400 horas de trabalho initerrupto…). A que realidades corresponde esta designação? Quando o encaramos pelos seus aspectos jurídico, político, moral e psicológico, não há dúvida que a designação se ajusta perfeitamente aos factos. Pela primeira vez se lançaram os alicerces de uma legislação penal internacional assente num princípio até então inteiramente desconhecido: a guerra de agressão passou a ser considerada um crime punível com a pena de morte, e o assassínio colectivo, o massacre por motivos raciais, religiosos ou quaisquer outros, designados com os mais hediondos delitos.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
As Amoras do poeta Eugénio de Andrade
Quando era miúdo corri e brinquei pelos campos como qualquer criança; apanhei amoras silvestres e o meu País era do tamanho da minha aldeia. Mas ninguém melhor que o poeta Eugénio de Andrade – já falecido – para associar as amoras bravas ao sabor do verão, à brancura dos muros e à dimensão da nossa Terra...
As Amoras
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade ("O Outro Nome da Terra")
As Amoras
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade ("O Outro Nome da Terra")
quinta-feira, 11 de junho de 2009
As Conferências de Casino
A Conferência inaugural
A primeira conferência é anunciada pela “Revolução de Setembro” para sábado, 22 de Maio de 1871. Foi proferida por Antero de Quental, cujo manuscrito se terá perdido. Parece todavia que era hábito de Antero inutilizar os originais. Do seu discurso terá ficado aquilo que se convencionou chamar «Espírito das Conferências» porque não fora revelado o seu título. Há porém relatos publicados na gazeta “Revolução”.
Antero de Quental terá pronunciado o discurso de abertura das conferências e explicado a razão por que se faziam.
Todos sabiam que uma grande corrente de renovação estava agitando todas as sociedades. Era um grande movimento que se caracterizava por ninguém pedir nada ao passado e todos, universalmente, verem no presente uma época de transição para o futuro. Assim:
“Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte do que nunca, a questão de saber como se deve regenerar-se a organização social. Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse, que são a causa e o porquê dos movimentos.
Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as nações têm sido, e como as pode hoje fazer a liberdade, e, por serem elas transformadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a Humanidade vai trabalhando, deve também ser assunto das nossas constantes meditações.
Abrir uma tribuna onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a Humanidade civilizada;
Procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
Tal é o fim das conferências democráticas.
Têm ainda elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias, que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem das nossas opiniões, não recusem a sua atenção aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções, e o resultado dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa, 16 de Maio de 1871 – Adolfo Coelho – Antero de Quental – Augusto Seromenho – Augusto Fuschini – Eça de Queiroz – Germano Vieira Meireles – Guilherme de Azevedo – Jaime Batalha Reis – J. P. Oliveira Martins – Manuel Arriaga – Salomão Saragga – Teófilo Braga.
Este foi o primeiro passo e um forte impulso para o movimento de ideias que um dia se traduziria em factos, em experiências, ora triunfantes ora malogradas.
A primeira conferência é anunciada pela “Revolução de Setembro” para sábado, 22 de Maio de 1871. Foi proferida por Antero de Quental, cujo manuscrito se terá perdido. Parece todavia que era hábito de Antero inutilizar os originais. Do seu discurso terá ficado aquilo que se convencionou chamar «Espírito das Conferências» porque não fora revelado o seu título. Há porém relatos publicados na gazeta “Revolução”.
Antero de Quental terá pronunciado o discurso de abertura das conferências e explicado a razão por que se faziam.
Todos sabiam que uma grande corrente de renovação estava agitando todas as sociedades. Era um grande movimento que se caracterizava por ninguém pedir nada ao passado e todos, universalmente, verem no presente uma época de transição para o futuro. Assim:
“Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte do que nunca, a questão de saber como se deve regenerar-se a organização social. Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse, que são a causa e o porquê dos movimentos.
Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as nações têm sido, e como as pode hoje fazer a liberdade, e, por serem elas transformadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a Humanidade vai trabalhando, deve também ser assunto das nossas constantes meditações.
Abrir uma tribuna onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a Humanidade civilizada;
Procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
Tal é o fim das conferências democráticas.
Têm ainda elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias, que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem das nossas opiniões, não recusem a sua atenção aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções, e o resultado dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa, 16 de Maio de 1871 – Adolfo Coelho – Antero de Quental – Augusto Seromenho – Augusto Fuschini – Eça de Queiroz – Germano Vieira Meireles – Guilherme de Azevedo – Jaime Batalha Reis – J. P. Oliveira Martins – Manuel Arriaga – Salomão Saragga – Teófilo Braga.
Este foi o primeiro passo e um forte impulso para o movimento de ideias que um dia se traduziria em factos, em experiências, ora triunfantes ora malogradas.
Fotos:
Antero de Quental;
Adolfo Coelho;
Augusto Fischini;
Maunuel D´Arriaga
sábado, 30 de maio de 2009
As Conferências de Casino
Antero, porém, que desembarcara em Lisboa, como um Apóstolo do Socialismo, a trazer a Palavra aos gentílicos, em breve nos converteu a uma vida mais alta e fecunda. Nós fôramos até aí, no Cenáculo, uns quatro ou cinco demónios, cheios de incoerência e de turbulência, fazendo um tal alarido lírico-filosófico que, por vezes, de noite, os dois cónegos estremunhados rompiam a berrar, o burro por baixo zurrava, desoladoramente, e no céu, sobre os telhados fronteiros, a lua parava, enfiada. Mas toda a nossa alma se ia nesse alarido, e o vento vão da boémia a levava, para onde leva as almas descuidadas e as folhas de louro secas…Sob a influência de Antero, logo dois de nós, que andávamos a compor uma ópera-bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonámos essa obra de escandaloso delírio – e começámos à noite a estudar Proudhon, nos três tomos da «Justiça e a Revolução na Igreja», quietos à banca com os pés em capachos como bons estudantes. Via-Láctea começou a varrer»
Foi Antero que imprimiu alguma ordem às reuniões indisciplinadas daquela mocidade turbulenta. Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, atraídos pela importância dos problemas que ali se debatiam, não tardaram em intervir. Guerra Junqueiro como poeta e irreverente revolucionário. Outro vulto que se tornou assíduo do Cenáculo foi José Fontana que viria a desempenhar um papel importante no movimento democrático socialista. Batalha Reis a ele se refere do seguinte modo:
«As conversas tomavam então o carácter que ele infalivelmente lhes imprimia: a Revolução estala para a semana. E contava pormenores, mostrava cartas recebidas, que repentinamente lhe apareciam desdobradas nas mãos, e, num momento, também desapareciam, não se viam bem como, nas algibeiras interiores (…). «A Revolução social – seguir-se-ia, ou far-se-ia de per si só, de um modo infalível, absolutamente seguro, sem possibilidade de um revés».
Foi numa atmosfera buliçosa do Cenáculo que nasceu a ideia das conferências democráticas, já sob a égide de Antero de Quental, que todos consideravam, pela sua cultura e pela pureza das suas intenções, o seu verdadeiro “maestro”. Eça, na sua crónica, intitulada “Santo Antero,” diz-nos: «E do Cenáculo, de onde, antes da vinda de Antero (que foi como a vinda do Rei Artur à confusa terra de Gales), nada poderia ter nascido além da chalaça, versos satânicos, noitadas curtidas a vinho de Torres, e farrapos de Filosofia fácil, nasceram, “mirabile dictu”, as Conferências do Casino, aurora de um mundo novo, mundo puro e novo, que depois, oh dor! creio que envelheceu e apodreceu…»
Eça descrevia, a propósito das Conferências, num dos primeiros números das “Farpas”: Antes de haver conferências no Casino havia ali “cançonetas”.Mulheres decotadas até ao estômago, com os braços nus, a “pantorrilha” ao léu, a boca avinhada, cantavam, entre toda a sorte de gestos desbragados, um reportório de cantigas impuras, obscenas, imundas! Num verso bestial, a um compasso acanalhado, ridicularizava-se aí o pudor, a família, o trabalho, a dignidade, a honra, Deus! Eram também conferências do deboche. E havia muitos alunos!»
Foi Antero que imprimiu alguma ordem às reuniões indisciplinadas daquela mocidade turbulenta. Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, atraídos pela importância dos problemas que ali se debatiam, não tardaram em intervir. Guerra Junqueiro como poeta e irreverente revolucionário. Outro vulto que se tornou assíduo do Cenáculo foi José Fontana que viria a desempenhar um papel importante no movimento democrático socialista. Batalha Reis a ele se refere do seguinte modo:
«As conversas tomavam então o carácter que ele infalivelmente lhes imprimia: a Revolução estala para a semana. E contava pormenores, mostrava cartas recebidas, que repentinamente lhe apareciam desdobradas nas mãos, e, num momento, também desapareciam, não se viam bem como, nas algibeiras interiores (…). «A Revolução social – seguir-se-ia, ou far-se-ia de per si só, de um modo infalível, absolutamente seguro, sem possibilidade de um revés».
Foi numa atmosfera buliçosa do Cenáculo que nasceu a ideia das conferências democráticas, já sob a égide de Antero de Quental, que todos consideravam, pela sua cultura e pela pureza das suas intenções, o seu verdadeiro “maestro”. Eça, na sua crónica, intitulada “Santo Antero,” diz-nos: «E do Cenáculo, de onde, antes da vinda de Antero (que foi como a vinda do Rei Artur à confusa terra de Gales), nada poderia ter nascido além da chalaça, versos satânicos, noitadas curtidas a vinho de Torres, e farrapos de Filosofia fácil, nasceram, “mirabile dictu”, as Conferências do Casino, aurora de um mundo novo, mundo puro e novo, que depois, oh dor! creio que envelheceu e apodreceu…»
Eça descrevia, a propósito das Conferências, num dos primeiros números das “Farpas”: Antes de haver conferências no Casino havia ali “cançonetas”.Mulheres decotadas até ao estômago, com os braços nus, a “pantorrilha” ao léu, a boca avinhada, cantavam, entre toda a sorte de gestos desbragados, um reportório de cantigas impuras, obscenas, imundas! Num verso bestial, a um compasso acanalhado, ridicularizava-se aí o pudor, a família, o trabalho, a dignidade, a honra, Deus! Eram também conferências do deboche. E havia muitos alunos!»
Fotos:1- Batalha Reis,; 2 - José Fontana e 3 -Eça de Queiroz.
sexta-feira, 29 de maio de 2009
As Conferências de Casino
II
A geração de 70 (continuação...)
A ideia das Conferências de Casino surgira no ano de 1871 no Cenáculo, que “era uma reunião de rapazes”: uma espécie de boémia literária em que se discutia filosofia, letras, política, religião, tudo acompanhado de um berreiro ensurdecedor”.
Em princípio de 1867 ou 1968, em casa do sr. Jaime Batalha Reis, na esquina da Travessa do Guarda-Mor para a Ruas dos Calafates, actual Rua do Diário de Notícias, faziam parte deste primitivo grupo Eça de Queiroz, Salomão Saragga, Batalha Reis, Santos Valente, Mariano Machado de Faria e Maia e José Eduardo Lobo de Moura. Vinham também juntar-se a este grupo e participar nas ruidosas discussões, Augusto Fuschini, José Tedeschi, Fredeirco Filemon da Silva Avelino e o maestro Augusto Machado. Em Novembro de 1968 apresentou-se no Cenáculo Antero de Quental que regressara da Ilha de São Miguel. A influência de Antero era tal que passou a viver, pouco tempo depois, em casa de Jaime Batalha Reis. Conforme nos conta Eça de Queiroz - que já conhecia Antero de Coimbra :
« Enfim, Antero volta a Lisboa, encontra o Cenáculo. Encontra o nosso querido e absurdo Cenáculo instalado na Travessa do Guarda-Mor, rente a um quarto onde habitavam dois cónegos, e sobre uma loja em que se agasalhavam, como no curral de Belém, uma vaca e um burrinho. Entre essas testemunhas do Evangelho e esses dignitários de Igreja, rugia e flamejava a nossa escandalosa fornalha de Revolução, de Metafísica, de Satanismo, de Anarquia, de boémia feroz. Jaime Batalha Reis era o dono do aposento temeroso, e a Via-Láctea, galego ilustre, o seu servo. Via Láctea dormia pendurado, como um paio, da chaminé da cozinha. As suas ocupações não consistiam em escovar ou varrer. A Via- Láctea fora confiada a missão transcendente de espreitar a passagem da ideia ao longo do rio do Espírito, para nos avisar, e nós corrermos e a prendermos na rede rutilante do Verbo. Durante dois anos, cada dia, a hora de sol e a horas de treva, empurrámos nós com fragor a porta da cozinha, e berrámos com ânsia: « Via-Láctea! Via-Láctea! Viste enfim a Ideia Pura boiando na corrente Espiritual?...» E durante dois anos, Via-Láctea, de dentro da chaminé ou de sobre a tampa de um caixote, imutavelmente rosnou com uma dignidade triste: « Num bi nada». Aí Antero apareceu numa fria manhã – e foi aclamado.
Naquela viela de Lisboa ressuscitou então, por um momento, «a encantada e quase fantástica Coimbra».
Em princípio de 1867 ou 1968, em casa do sr. Jaime Batalha Reis, na esquina da Travessa do Guarda-Mor para a Ruas dos Calafates, actual Rua do Diário de Notícias, faziam parte deste primitivo grupo Eça de Queiroz, Salomão Saragga, Batalha Reis, Santos Valente, Mariano Machado de Faria e Maia e José Eduardo Lobo de Moura. Vinham também juntar-se a este grupo e participar nas ruidosas discussões, Augusto Fuschini, José Tedeschi, Fredeirco Filemon da Silva Avelino e o maestro Augusto Machado. Em Novembro de 1968 apresentou-se no Cenáculo Antero de Quental que regressara da Ilha de São Miguel. A influência de Antero era tal que passou a viver, pouco tempo depois, em casa de Jaime Batalha Reis. Conforme nos conta Eça de Queiroz - que já conhecia Antero de Coimbra :
« Enfim, Antero volta a Lisboa, encontra o Cenáculo. Encontra o nosso querido e absurdo Cenáculo instalado na Travessa do Guarda-Mor, rente a um quarto onde habitavam dois cónegos, e sobre uma loja em que se agasalhavam, como no curral de Belém, uma vaca e um burrinho. Entre essas testemunhas do Evangelho e esses dignitários de Igreja, rugia e flamejava a nossa escandalosa fornalha de Revolução, de Metafísica, de Satanismo, de Anarquia, de boémia feroz. Jaime Batalha Reis era o dono do aposento temeroso, e a Via-Láctea, galego ilustre, o seu servo. Via Láctea dormia pendurado, como um paio, da chaminé da cozinha. As suas ocupações não consistiam em escovar ou varrer. A Via- Láctea fora confiada a missão transcendente de espreitar a passagem da ideia ao longo do rio do Espírito, para nos avisar, e nós corrermos e a prendermos na rede rutilante do Verbo. Durante dois anos, cada dia, a hora de sol e a horas de treva, empurrámos nós com fragor a porta da cozinha, e berrámos com ânsia: « Via-Láctea! Via-Láctea! Viste enfim a Ideia Pura boiando na corrente Espiritual?...» E durante dois anos, Via-Láctea, de dentro da chaminé ou de sobre a tampa de um caixote, imutavelmente rosnou com uma dignidade triste: « Num bi nada». Aí Antero apareceu numa fria manhã – e foi aclamado.
Naquela viela de Lisboa ressuscitou então, por um momento, «a encantada e quase fantástica Coimbra».
sexta-feira, 22 de maio de 2009
A geração de 70
I
“A geração de 70”, vulgarmente designada, é o nome porque é conhecido a plêiade de jovens literatos que agitaram com ideias novas, combatendo as velhas, durante a década que decorreu nos anos de 1870 e 1880.Eram jovens de sangue novo e irrequieto que pretendiam demonstrar que a arte e a literatura não eram actividades isoladas e de mera inspiração pessoal como o pretendiam os patriarcas do romantismo. Rejeitavam pois a teoria da arte pela arte, então em voga.
Era urgente proceder a uma revisão crítica, penetrante e impiedosa de todos os valores em que a sociedade da época assentava. “O sistema de governo, os vícios da administração pública, os anacronismos da educação, a principiar pela universitária (…) e a acabar no ensino primário, tão escasso e atrasado neste País constituído por uma massa inerte, em que 90 por cento de analfabetos chafurdava na lama da mais crassa ignorância e da mais lamentável superstição, inconscientes dos seus verdadeiros interesses vitais. Perante um diagnóstico sombrio da sociedade portuguesa, estes jovens, recém-chegados de Coimbra e munidos do seu diploma de bacharel, entendiam que só uma revolução – cultural - podia reerguer a Nação do abismo para onde caminhava.
A importância da forma de intervenção destes jovens – cultural, cívica, social e política – junto da opinião pública e o seu impacto nos destinos da Nação conduziria, num futuro próximo, à queda da monarquia e à proclamação da República. São as famosas Conferências do Casino e o grupo dos cinco: Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro.
Continua…
Era urgente proceder a uma revisão crítica, penetrante e impiedosa de todos os valores em que a sociedade da época assentava. “O sistema de governo, os vícios da administração pública, os anacronismos da educação, a principiar pela universitária (…) e a acabar no ensino primário, tão escasso e atrasado neste País constituído por uma massa inerte, em que 90 por cento de analfabetos chafurdava na lama da mais crassa ignorância e da mais lamentável superstição, inconscientes dos seus verdadeiros interesses vitais. Perante um diagnóstico sombrio da sociedade portuguesa, estes jovens, recém-chegados de Coimbra e munidos do seu diploma de bacharel, entendiam que só uma revolução – cultural - podia reerguer a Nação do abismo para onde caminhava.
A importância da forma de intervenção destes jovens – cultural, cívica, social e política – junto da opinião pública e o seu impacto nos destinos da Nação conduziria, num futuro próximo, à queda da monarquia e à proclamação da República. São as famosas Conferências do Casino e o grupo dos cinco: Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro.
Continua…
domingo, 10 de maio de 2009
A intimidade de um beijo
Não sei se vou escolher as palavras certas, os substantivos, os verbos e a adjectivação adequada para exprimir o significado do beijo. Não do beijo como troca de afectos entre familiares e cumprimento de amigos - muito importante - mas do beijo entre um homem e uma mulher. Do beijo que envolve uma paixão, um sentimento de amor e um abraço apertado de corpo e alma; de um beijo desejoso da cumplicidade do olhar e apenas o silêncio das palavras. De um beijo que se dá à chegada e à partida, no início e no fim, entre amantes que se amam. De todos os beijos e também do primeiro beijo de amor. Das lembranças de uma melodia e de um poema cantado, de noite ou à luz do dia. Podia ser o primeiro beijo cantado por Rui Veloso:
Recebi o teu bilhete
Recebi o teu bilhete
para ir ter ao jardim
a tua caixa de segredos
queres abri-la para mim
e tu não vais fraquejar
ninguém vai saber de nada
juro não me vou gabar
a minha boca é sagrada
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
E para terminar, só mesmo com Vinícius de Moraes:
Como dizia o poeta
Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não
sábado, 9 de maio de 2009
A biografia de um escritor
Franz Kafka
Gosto sempre de ler a biografia de um escritor, sobretudo quando o leio pela primeira vez. A sua naturalidade, País e local de nascimento, formação académica e origem social. Seguidamente, o tema ou Obra, às vezes prefaciada por alguém, de forma excessivamente erudita, interminável e chata, parecendo o prefaciador estar mais preocupado consigo do que sobre o autor do livro. Há já um largos anos que li «O Processo» de Franz Kafka, escritor checo, que nasceu em Praga a 3 de Julho de 1883. Foi contemporâneo dos escritores austríacos como Rilke e Thomas Mann. Morreu cedo, aos 41 anos. A mãe provinha de uma família burguesa, instruída e culta. O tio materno, Siegfried Lowy, era médico e o avô da mãe era um homem de formação muito judaica; o pai, cujas relações não eram famosas, um proletário que nunca se esqueceu da sua difícil vida de juventude e a lembrava os filhos disso, estabeleceu-se no comércio (negociante de quinquilharias, artigos da moda, artigos de fantasias…) e foi perito ajuramentado junto dos tribunais.
Kafka, praticamente nunca saiu do sítio onde nasceu – parte antiga da cidade de Praga. Aí estudou, fez o Liceu (de dupla monarquia e o ensino da língua alemã), ao antigo estilo clássico, instalado no Palácio Kinsky, a poucos metros de distância da casa onde a família morava. Talvez que o isolamento de Kafka, e o misterioso ensimesmamento, tenham sido causados pela educação pragmática e abstracta.
Terminado o ensino secundário, opta pela Filosofia, uma escolha a que o seu pai ( Herrmann Kafka) se terá oposto. Pouco tempo depois de ter começado a estudar química passou para a Faculdade de Direito. Com o curso de Direito, fica “saldada a dívida para com os pais”… Por intermédio de um colega de escola, Pribram (cujo pai presidia ao Instituto de Seguros para Acidentes de Trabalho, de que mais tarde Kafka seria funcionário) foi introduzido na alta sociedade de magnatas da industria, professores universitários e de alta nobreza.
O Processo é um romance que conta a história de Josef Kafka, personagem que, no seu 30º aniversário é despertado, não para tomar o café da manhã mas com a voz de prisão. Inicia-se então todo o processo, um pesadelo burocrático, com interrogatórios, salas de espancamentos, cartórios e audiências, sem que vítima saiba alguma vez de que crime é acusado ou a defesa (advogado), o tenha verdadeiramente defendido.
Sobre a bibliografia de Kafka, há várias Obras traduzidas em Português ainda não lidas:
A Metamorfose, Na Colónia Penal, Carta ao Pai, O Castelo, A Grande Muralha da China, Diários 1910-1023, Investigação de Um Cão, Os aviões em Brescia…
sexta-feira, 24 de abril de 2009
Deus e os filósofos – Keith Ward
Pequenas notas do Livro Deus e os filósofos de Keith Ward que anda a volta da crença de Deus, das correntes filosóficas e da ciência.
Factos da ciência e as crenças da religião
Rezar sem acreditar em Deus.
Metafísica teológica ou académica
Metafísica teológica ou académica
· Raciocínio abstracto sobre a quantidade ou o número? – Não.
· Raciocínio experimental sobre os domínios do facto e da existência? – Não
David Hume ( 1711-76) – Uma pesquisa sobre a compreensão humana.
Hegel e Whitehead – livros atirados as chamas.
Tudo o que resta é a matemática e o raciocínio experimental, os dois alicerces que suportam firmemente o método cientifico.
Hume estava consciente do paradoxo que acabava de criar. Se alguém concordasse com aquela afirmação, mas aceitou por completo o paradoxo. Não conseguia compreender de forma alguma, a ideia de uma substância contínua, mas ainda assim acreditava que as árvores, as cadeiras e as casas continuavam a existir.
Iluminismo – A época histórica europeia em que os filósofos rejeitaram a autoridade religiosa e colocaram a Razão no lugar de Deus, como autoridade suprema que conduziria a paz e tolerância universais. Este quadro não é inteiramente correcto.
Defende Keith Ward que o Racionalismo, a crença de que existe uma razão para tudo e de que a podemos descobrir através do raciocínio, não é, de modo algum, anti-religioso. Na verdade, todas estas pessoas ( Descartes, Leibniz e Espinosa – XVII e XVIII) pensavam que podiam provar a necessária existência de Deus. É muito natural que um racionalista pense que todo o Universo é produto da Razão, e que é essa Razão senão Deus.
Conclui o autor:
Assim, não é o racionalismo que desgasta a crença em Deus. É precisamente a falta de confiança na Razão que o faz.
David Hume não era um racionalista, apesar de ser uma das maiores figuras do Iluminismo. Era alguém que pensava que a Razão é a “escrava das paixões”, incapaz de provar o que quer que seja.
Nem mesmo Hegel foi o tipo de racionalista por que muitas pessoas o tomam. Apesar de dizer: “ O real é o racional e o racional é real” Mas o mais importante para Hegel, comprender é aprender as coisas através de conceitos, enquanto a Razão é uma faculdade muito mais imaginativa e intuitiva, capaz de conciliar as contradições geradas pela Compreensão, na sua tentativa de pensar a realidade fundamental.
A batalha trava-se entre um cepticismo perante a Razão, que acabou por se confirmar rigorosamente no mundo da observação experimental.
Ironicamente, os dois tipos de cepticismo: um quanto aos resultados da Razão, se limita estritamente à observação empírica, e o outro que não é tão céptico relativamente às limitações da Razão que pode declarar alegremente que “ o coração tem razões que a Razão desconhece” (Blaise Pascal (1623-62) – Pensées).
Pascal é o vencedor em matéria de cepticismo: A Razão não nos pode dizer para nos restringirmos à observação experimental, nem nenhuma outra coisa o pode fazer – especialmente porque, mesmo ao tomarmos esta decisão, não nos podemos fiar em quaisquer experiências.
Mas comentará Kant: A renúncia ao conhecimento cria realmente espaço para a fé. Diz o autor: se tivermos a paixão da fé, por que não a havemos de seguir?
Kant confina 0 conhecimento à experiência e à experimentação. O problema é quando se avança mais… Talvez não se possa viver sem nenhuma delas, uma vez que a ciência nos permite melhorar a Natureza ao ponto de preencher todas as nossas necessidades sem o recurso à fé. Por palavras mais simples, rezar pela ferilidade das colheitas pode ajudar, mas o fertilizante é mais eficiente.
Francis Bacon ( 1561-1626) : a morte da metafísica
Um dos grandes pioneiros na formulação de uma nova abordagem científica da Natureza, escreveu em Proficiência e Avanço da Aprendizagem (1605) que a ciência, ao contrário da filosofia, proporcionava conhecimento cumulativo que era útil para “o alívio da condição social do homem”. A filosofia apenas parece oferecer discussões intermináveis, sem nada que satisfaça a fome e a sede. A ciência estava destinada à vitória. Trazia concórdia, um aumento crescente no conhecimento e, mais tarde, as máquinas a vapor e a televisão, os autoclismos e o pão fatiado.
O raciocínio experimentalista deixa a Natureza despersonalizada, despida de todos os sinais de uma personalidade subjacente, quer sejam deuses gregos, o Deus hebraico, o Motor Imóvel de São Tomás de Aquino ou o Espírito hegliano.
Ayer e as afirmações sobre Deus eram desprovidas de conteúdo. Apesar de estar disposto a considerá-las teorias explanatórias e, por isso, dotadas de sentido, não pensava que elas conseguissem explicar realmente alguma coisa. Se explicarmos um acontecimento, talvez uma trovoada, dizendo “ foi Deus”, não explicamos de facto nada. Enquanto hipótese científica Deus é perfeitamente inútil.
Hipóteses científicas e questões existenciais
Talvez Deus não esteja destinado a uma hipótese científica.
A visão tradicional da Natureza estilhaçada por dois grandes golpes:
Isaac Newton, apesar de ser um crente devoto em Deus, eliminou o propósito da Natureza e submeteu-a a leis impessoais absolutas. Outros lembraram Deus o grande planeador, o relojoeiro cósmico, que tinha dado corda ao Universo.
Charles Darwin – explicou a evolução como um processo de selecção natural que fez com que toda a existência de seres humanos passasse a ser vista como um acidente a escala cósmica, como resultado de milhões de mutações aleatórias, seleccionada pela competição implacável, à custa de milhões de extinções, e de um sofrimento e morte quase universal.
· Raciocínio experimental sobre os domínios do facto e da existência? – Não
David Hume ( 1711-76) – Uma pesquisa sobre a compreensão humana.
Hegel e Whitehead – livros atirados as chamas.
Tudo o que resta é a matemática e o raciocínio experimental, os dois alicerces que suportam firmemente o método cientifico.
Hume estava consciente do paradoxo que acabava de criar. Se alguém concordasse com aquela afirmação, mas aceitou por completo o paradoxo. Não conseguia compreender de forma alguma, a ideia de uma substância contínua, mas ainda assim acreditava que as árvores, as cadeiras e as casas continuavam a existir.
Iluminismo – A época histórica europeia em que os filósofos rejeitaram a autoridade religiosa e colocaram a Razão no lugar de Deus, como autoridade suprema que conduziria a paz e tolerância universais. Este quadro não é inteiramente correcto.
Defende Keith Ward que o Racionalismo, a crença de que existe uma razão para tudo e de que a podemos descobrir através do raciocínio, não é, de modo algum, anti-religioso. Na verdade, todas estas pessoas ( Descartes, Leibniz e Espinosa – XVII e XVIII) pensavam que podiam provar a necessária existência de Deus. É muito natural que um racionalista pense que todo o Universo é produto da Razão, e que é essa Razão senão Deus.
Conclui o autor:
Assim, não é o racionalismo que desgasta a crença em Deus. É precisamente a falta de confiança na Razão que o faz.
David Hume não era um racionalista, apesar de ser uma das maiores figuras do Iluminismo. Era alguém que pensava que a Razão é a “escrava das paixões”, incapaz de provar o que quer que seja.
Nem mesmo Hegel foi o tipo de racionalista por que muitas pessoas o tomam. Apesar de dizer: “ O real é o racional e o racional é real” Mas o mais importante para Hegel, comprender é aprender as coisas através de conceitos, enquanto a Razão é uma faculdade muito mais imaginativa e intuitiva, capaz de conciliar as contradições geradas pela Compreensão, na sua tentativa de pensar a realidade fundamental.
A batalha trava-se entre um cepticismo perante a Razão, que acabou por se confirmar rigorosamente no mundo da observação experimental.
Ironicamente, os dois tipos de cepticismo: um quanto aos resultados da Razão, se limita estritamente à observação empírica, e o outro que não é tão céptico relativamente às limitações da Razão que pode declarar alegremente que “ o coração tem razões que a Razão desconhece” (Blaise Pascal (1623-62) – Pensées).
Pascal é o vencedor em matéria de cepticismo: A Razão não nos pode dizer para nos restringirmos à observação experimental, nem nenhuma outra coisa o pode fazer – especialmente porque, mesmo ao tomarmos esta decisão, não nos podemos fiar em quaisquer experiências.
Mas comentará Kant: A renúncia ao conhecimento cria realmente espaço para a fé. Diz o autor: se tivermos a paixão da fé, por que não a havemos de seguir?
Kant confina 0 conhecimento à experiência e à experimentação. O problema é quando se avança mais… Talvez não se possa viver sem nenhuma delas, uma vez que a ciência nos permite melhorar a Natureza ao ponto de preencher todas as nossas necessidades sem o recurso à fé. Por palavras mais simples, rezar pela ferilidade das colheitas pode ajudar, mas o fertilizante é mais eficiente.
Francis Bacon ( 1561-1626) : a morte da metafísica
Um dos grandes pioneiros na formulação de uma nova abordagem científica da Natureza, escreveu em Proficiência e Avanço da Aprendizagem (1605) que a ciência, ao contrário da filosofia, proporcionava conhecimento cumulativo que era útil para “o alívio da condição social do homem”. A filosofia apenas parece oferecer discussões intermináveis, sem nada que satisfaça a fome e a sede. A ciência estava destinada à vitória. Trazia concórdia, um aumento crescente no conhecimento e, mais tarde, as máquinas a vapor e a televisão, os autoclismos e o pão fatiado.
O raciocínio experimentalista deixa a Natureza despersonalizada, despida de todos os sinais de uma personalidade subjacente, quer sejam deuses gregos, o Deus hebraico, o Motor Imóvel de São Tomás de Aquino ou o Espírito hegliano.
Ayer e as afirmações sobre Deus eram desprovidas de conteúdo. Apesar de estar disposto a considerá-las teorias explanatórias e, por isso, dotadas de sentido, não pensava que elas conseguissem explicar realmente alguma coisa. Se explicarmos um acontecimento, talvez uma trovoada, dizendo “ foi Deus”, não explicamos de facto nada. Enquanto hipótese científica Deus é perfeitamente inútil.
Hipóteses científicas e questões existenciais
Talvez Deus não esteja destinado a uma hipótese científica.
A visão tradicional da Natureza estilhaçada por dois grandes golpes:
Isaac Newton, apesar de ser um crente devoto em Deus, eliminou o propósito da Natureza e submeteu-a a leis impessoais absolutas. Outros lembraram Deus o grande planeador, o relojoeiro cósmico, que tinha dado corda ao Universo.
Charles Darwin – explicou a evolução como um processo de selecção natural que fez com que toda a existência de seres humanos passasse a ser vista como um acidente a escala cósmica, como resultado de milhões de mutações aleatórias, seleccionada pela competição implacável, à custa de milhões de extinções, e de um sofrimento e morte quase universal.
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Livros e leituras
Mia Couto
Comecei agora a ler “ Do Amor e outros Demónios” de Gabriel García Márquez e ainda não acabei as Valquírias de Paulo Coelho. O tema desenvolvido deste livro não me cativa muito – um tanto esotérico – de modo que vou lendo aos poucos… Antes dele terminei o Banquete de Platão! Tinha começado a ler “Quando os Lobos Uivam”, um clássico de Aquilino Ribeiro, mas deixei para mais tarde... É um romance interessante cuja escrita exige atenção e um dicionário sempre à mão para descodificar o uso regionalista do seu vocabulário.
Na verdade, gosto de pegar num livro, seja ele romance, ficção, ensaio ou histórico, mas que me dê prazer ler. Além do tema, enredo ou história, que me prenda à leitura, aprecio saborear a prosa. O uso apropriado das figuras de estilo com algumas aliterações, imagens, hipérbatos, metáforas, perífrases e anacolutos… e uma leitura que seja agradável. Um dos escritores portugueses contemporâneos com uma escrita de gosto é Mário de Carvalho.
O último livro que li de uma assentada foi o do escritor moçambicano Mia Couto “ Venenos de Deus, Remédios do Diabo”. Adorei. Já tinha lido outros livros dele como “ A Varanda do Frangipani”, “Cada Homem é uma Raça” e “ Contos do Nascer da Terra”
Conto, romances e ficções de Mia Couto – em minha opinião - transporta-nos até África e envolve-nos na sua magia, tradições e costumes. O escritor é natural da Beira e um africano nato, de cor branca. Conhece muito bem os dialectos moçambicanos e a sua vivência, assim como a cultura e toda a ligação histórica e afectiva dos portugueses a África. Há por isso uma identificação entre os seus povos e nós – portugueses - que nos faz sonhar com África… Depois, escreve de uma forma admirável, com um estilo próprio onde não falta a introdução de alguns neologismos e o uso de uma adjectivação fantástica. A ironia é também uma forma usada nos diálogos onde aparece quase sempre uma presença portuguesa!
“Venenos de Deus Remédios do Diabo”, conta a história de um médico português, Sidónio Rosa, que num congresso em Lisboa conheceu uma mulata moçambicana, Deolinda, e que depois partiu para Moçambique à sua procura. Em Vila Cacimba, encontra os pais dela. Designada por família dos Sozinhos, constituída por Munda e Bartolomeu, velho marinheiro, e o administrador, Suacêlencia e sua Esposinha…
O capítulo um do livro começa com a visita do médico à casa de Bartolomeu Sozinho, em Vila Cacimba. À porta tem à sua espera a esposa, Dona Munda, que, no dizer do autor, não desperdiça palavra, nem despende sorriso. É o visitante (o médico) quem arrendonda o momento, inquirindo:
- Então, o nosso Bartolomeu está bom?
- Está bom para seguir deitado, de vela e missal!…
O médico, recém-chegado a África acredita não ter entendido e refaz a questão:
- Perguntava eu, Dona Munda, sobre o seu marido…
- Está muito mal. O sal já está todo espalhado no sangue.
- Não é sal, são diabetes.
- Ele recusa. Diz que se ele é diabético, eu sou diabólica.
- Continuam brigando?
- Felizmente, sim. Já não temos outra coisa para fazer. Sabe o que penso, Doutor? A zanga é a nossa jura de amor.
Na verdade, gosto de pegar num livro, seja ele romance, ficção, ensaio ou histórico, mas que me dê prazer ler. Além do tema, enredo ou história, que me prenda à leitura, aprecio saborear a prosa. O uso apropriado das figuras de estilo com algumas aliterações, imagens, hipérbatos, metáforas, perífrases e anacolutos… e uma leitura que seja agradável. Um dos escritores portugueses contemporâneos com uma escrita de gosto é Mário de Carvalho.
O último livro que li de uma assentada foi o do escritor moçambicano Mia Couto “ Venenos de Deus, Remédios do Diabo”. Adorei. Já tinha lido outros livros dele como “ A Varanda do Frangipani”, “Cada Homem é uma Raça” e “ Contos do Nascer da Terra”
Conto, romances e ficções de Mia Couto – em minha opinião - transporta-nos até África e envolve-nos na sua magia, tradições e costumes. O escritor é natural da Beira e um africano nato, de cor branca. Conhece muito bem os dialectos moçambicanos e a sua vivência, assim como a cultura e toda a ligação histórica e afectiva dos portugueses a África. Há por isso uma identificação entre os seus povos e nós – portugueses - que nos faz sonhar com África… Depois, escreve de uma forma admirável, com um estilo próprio onde não falta a introdução de alguns neologismos e o uso de uma adjectivação fantástica. A ironia é também uma forma usada nos diálogos onde aparece quase sempre uma presença portuguesa!
“Venenos de Deus Remédios do Diabo”, conta a história de um médico português, Sidónio Rosa, que num congresso em Lisboa conheceu uma mulata moçambicana, Deolinda, e que depois partiu para Moçambique à sua procura. Em Vila Cacimba, encontra os pais dela. Designada por família dos Sozinhos, constituída por Munda e Bartolomeu, velho marinheiro, e o administrador, Suacêlencia e sua Esposinha…
O capítulo um do livro começa com a visita do médico à casa de Bartolomeu Sozinho, em Vila Cacimba. À porta tem à sua espera a esposa, Dona Munda, que, no dizer do autor, não desperdiça palavra, nem despende sorriso. É o visitante (o médico) quem arrendonda o momento, inquirindo:
- Então, o nosso Bartolomeu está bom?
- Está bom para seguir deitado, de vela e missal!…
O médico, recém-chegado a África acredita não ter entendido e refaz a questão:
- Perguntava eu, Dona Munda, sobre o seu marido…
- Está muito mal. O sal já está todo espalhado no sangue.
- Não é sal, são diabetes.
- Ele recusa. Diz que se ele é diabético, eu sou diabólica.
- Continuam brigando?
- Felizmente, sim. Já não temos outra coisa para fazer. Sabe o que penso, Doutor? A zanga é a nossa jura de amor.
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Os melhores filmes
Os últimos três filmes – O Estranho Caso de Benjamim Button, Quem Quer ser Bilionário e O Leitor, qualquer deles podia ter ganho o Óscar. O Estranho Caso de Benjamin Button tinha tudo para ganhar: A realização, a caracterização, a excelente interpretação de Brad Pitt e também de Cate Blanchett, mas a história, adaptada da obra de F. Scott Fitzgerald, contraria as leis da natureza, é surrealista: um homem que nasce com oitenta anos vai regredindo na idade à medida que o tempo avança. O filme conta pois a história de Benjamin e da sua invulgar “viagem”, das pessoas e lugares que este vai descobrindo ao longo do seu caminho, dos seus amores, alegrias e tristezas… É um grande filme e a sua nomeação para Óscar não é por acaso. No entanto, o filme que vi a seguir, Quem Quer ser Bilionário, gostei ainda mais e elegeria este como o vencedor. Penso que a história, aparentemente simples (concurso de televisão que proporciona milhões…) é envolvente pela sua densidade social e dramatismo do princípio até quase ao fim. Um rapaz de 18 anos, oriundo subúrbios de Bombaim - espécie de “favelas brasileiras,” ampliadas – está apenas a uma pergunta de ganhar a elevadíssima quantia de vinte milhões de rupias no Concurso “Quem quer ser Bilionário”. Incrivelmente, Jamal Malik, vai acertando em todas as perguntas o que levanta suspeitas de fraude…É a partir do interrogatório policial que o jovem Jamal confessa a sua história de vida passada nas ruas e da rapariga de que amou e que perdera. O que estará um rapaz sem interesse pelo dinheiro a fazer num concurso televisivo? E como é que sabia todas as respostas?
Trata-se de um filme inglês, realizado por Danny Boyle com argumento de Simon Beaufay.
Trata-se de um filme inglês, realizado por Danny Boyle com argumento de Simon Beaufay.
Por fim, fui ver “ O Leitor”, The Reader. Este filme foi indicado para o Óscar do ano em cinco categorias: Melhor Filme, melhor Director, melhor Atriz (Kate Winslet), melhor Roteiro Adaptado e melhor Fotografia. Os intérpretes são Kate Winslet, no papel de Hanna, Ralph Fiennes e David Kross, o jovem Michael Berg .O filme foi realizado por Stephen Daldry e baseado no livro do jurista e escritor germânico Bernard Schlink. O história prende-se com a Alemanha do pós-guerra.
Na década de cinquenta, um jovem de nome Michael Berg sente-se mal na rua e abriga-se à entrada de um prédio onde é ajudado por Hanna. Depois de ter recuperado o seu estado de saúde, em casa dos pais, vai à procura da moça para lhe agradecer. Em novos encontros os dois iniciam um caso, praticamente de sexo, excepto as leituras que Michael fazia de livros que trazia da escola.
Certa dia, Hanna decide ir embora e deixa o jovem rapaz de coração abalado. Sete anos depois ele reencontra-a no Tribunal como uma das rés em julgamento por crimes hediondos contra os judeus cometidos por seis mulheres durante a guerra. Este caso de amor entre um jovem adolescente e uma mulher madura esconde um segredo que Hanna não revelara a Michel. Hanna é condenada.
Nas décadas seguintes, Michel já muito mais maduro volta a ser Leitor, agora de forma diferente.
Gostei muito do filme e Kate Winslet mereceu ter ganho o Óscar da melhor actriz. Até o filme o poderia ter ganho!
Na década de cinquenta, um jovem de nome Michael Berg sente-se mal na rua e abriga-se à entrada de um prédio onde é ajudado por Hanna. Depois de ter recuperado o seu estado de saúde, em casa dos pais, vai à procura da moça para lhe agradecer. Em novos encontros os dois iniciam um caso, praticamente de sexo, excepto as leituras que Michael fazia de livros que trazia da escola.
Certa dia, Hanna decide ir embora e deixa o jovem rapaz de coração abalado. Sete anos depois ele reencontra-a no Tribunal como uma das rés em julgamento por crimes hediondos contra os judeus cometidos por seis mulheres durante a guerra. Este caso de amor entre um jovem adolescente e uma mulher madura esconde um segredo que Hanna não revelara a Michel. Hanna é condenada.
Nas décadas seguintes, Michel já muito mais maduro volta a ser Leitor, agora de forma diferente.
Gostei muito do filme e Kate Winslet mereceu ter ganho o Óscar da melhor actriz. Até o filme o poderia ter ganho!
quarta-feira, 8 de abril de 2009
O cinema
Cinema
Sempre gostei muito de ir ao cinema desde a minha juventude e durante a idade adulta. Depois, houve um período que deixei de ir ou raramente via cinema porque, provavelmente, tive um certo desinteresse e a idade não terá sido alheia a isso (…); por outro lado, os meios audiovisuais, a televisão e os vídeos terão contribuído com a sua quota-parte. Acrescentaria ainda o facto dos edifícios e salas reservadas para este tipo de espectáculos terem sido extintas, em boa parte devida a concorrência das grandes superfícies – Centros Comerciais. Ainda, o aparecimento de novos tipos de filmes mais adequados a época moderna, sobretudo de acção - com predominância para os policiais - e a inevitável substituição dos actores e actrizes - a idade não perdoa -, terão desmotivado bastante. Para os mais clássicos, como eu, a ida ao cinema obedecia a um certo ritual como por exemplo a companhia e a roupa que se levava vestida para a ocasião. Os comentários sobre o próprio filme, sobretudo nos intervalos, também faziam parte desse ritual, quantas vezes associado à bica e ao cigarro. Finalmente, os temas ou enredos, o cenário, os intérpretes, as bandas sonoras, a realização e toda a magia que o cinema nos proporcionava.
Há uns anos a esta parte voltei a ir ao cinema e cada vez estou a gostar mais…
Sempre gostei muito de ir ao cinema desde a minha juventude e durante a idade adulta. Depois, houve um período que deixei de ir ou raramente via cinema porque, provavelmente, tive um certo desinteresse e a idade não terá sido alheia a isso (…); por outro lado, os meios audiovisuais, a televisão e os vídeos terão contribuído com a sua quota-parte. Acrescentaria ainda o facto dos edifícios e salas reservadas para este tipo de espectáculos terem sido extintas, em boa parte devida a concorrência das grandes superfícies – Centros Comerciais. Ainda, o aparecimento de novos tipos de filmes mais adequados a época moderna, sobretudo de acção - com predominância para os policiais - e a inevitável substituição dos actores e actrizes - a idade não perdoa -, terão desmotivado bastante. Para os mais clássicos, como eu, a ida ao cinema obedecia a um certo ritual como por exemplo a companhia e a roupa que se levava vestida para a ocasião. Os comentários sobre o próprio filme, sobretudo nos intervalos, também faziam parte desse ritual, quantas vezes associado à bica e ao cigarro. Finalmente, os temas ou enredos, o cenário, os intérpretes, as bandas sonoras, a realização e toda a magia que o cinema nos proporcionava.
Há uns anos a esta parte voltei a ir ao cinema e cada vez estou a gostar mais…
Irei abordar alguns deste filmes no próximo post.
segunda-feira, 30 de março de 2009
Eugénio de Andrade
Aprendemos, realmente uns com os outros. Todos nós na vida já demos e recebemos…
Para mim, Eugénio de Andrade era mais um poeta português, contemporâneo, sem referências de maior. Aprendi depois a gostar dele e a considerar um dos grandes poetas do século passado. Os seus poemas são de uma beleza e de uma profundidade ímpar. A simplicidade da linguagem, tão difícil de atingir, tem o efeito de um diamante brilhante.
Às vezes, parco em palavras e em sílabas, consegue dizer tanto sem tanto dizer!
Para mim, Eugénio de Andrade era mais um poeta português, contemporâneo, sem referências de maior. Aprendi depois a gostar dele e a considerar um dos grandes poetas do século passado. Os seus poemas são de uma beleza e de uma profundidade ímpar. A simplicidade da linguagem, tão difícil de atingir, tem o efeito de um diamante brilhante.
Às vezes, parco em palavras e em sílabas, consegue dizer tanto sem tanto dizer!
Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
Eugénio de Andrade
terça-feira, 24 de março de 2009
A tristeza e o sorriso
Hoje estou triste,
Triste porque um amigo partiu
Estou triste porque pressinto no presente a saudade de uma ausência
infinita.
Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz
Charles Chaplin
Triste porque um amigo partiu
Estou triste porque pressinto no presente a saudade de uma ausência
infinita.
Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz
Charles Chaplin
quinta-feira, 19 de março de 2009
Como é bom ouvir falar quem sabe…
Como é bom ouvir falar quem sabe…
De quando em vez, vejo o programa de Paula Moura Pinheiro, câmara clara, na RTP2, que acho extraordinário, quer pela forma como é apresentado quer pelo nível cultural dos convidados.
Neste último programa os convidados foram Adolfo Gutkin e Pedro Feytor Pinto. Feytor Pinto esteve exilado em Espanha, após o 25 de Abril e depois foi viver para Buenos Aires, e Adolfo Gutkin, que nasceu em Buenos Aires, seduzido por Cuba, acaba exilado em Portugal depois do 25 de Abril. Este interessante percurso de vida, de dois políticos inversos - como explica Paula Pinheiro – tem a uni-los o amor a Buenos Aires, as artes e a experiência do exílio. Ouvi-los falar daquela fantástica cidade da Argentina, da sua magia, cosmopolitismo europeu, de Jorge Luís Borges, Horácio Copolla, fotográfo, ou do tango de Astor Piazzola e Carlos Gardel, é um fascínio. Quem diria que um país sul-americano tem livrarias abertas 24 horas por dia!
Neste último programa os convidados foram Adolfo Gutkin e Pedro Feytor Pinto. Feytor Pinto esteve exilado em Espanha, após o 25 de Abril e depois foi viver para Buenos Aires, e Adolfo Gutkin, que nasceu em Buenos Aires, seduzido por Cuba, acaba exilado em Portugal depois do 25 de Abril. Este interessante percurso de vida, de dois políticos inversos - como explica Paula Pinheiro – tem a uni-los o amor a Buenos Aires, as artes e a experiência do exílio. Ouvi-los falar daquela fantástica cidade da Argentina, da sua magia, cosmopolitismo europeu, de Jorge Luís Borges, Horácio Copolla, fotográfo, ou do tango de Astor Piazzola e Carlos Gardel, é um fascínio. Quem diria que um país sul-americano tem livrarias abertas 24 horas por dia!
Encantado com as suas intervenções e informado sobre a exposição gratuita no Centro Cultural de Belém, BORGES, COPPOLA, BUENOS AIRES – fui até lá… Em primeiro lugar, devo dizer que todo o material expostos – as fotografias de Coppola da década de trinta e os vídeos dos filmes alusivos a Borges, Copola e à cidade, havia uma boa sequência. Buenos Aires pareceu-me de facto uma capital europeia, moderna e bastante avançada para as décadas de 30 e 40 do século passado. Desde a arquitectura, dos edifícios ao traçado das ruas e avenidas, já movimentadas fartamente pelo automóvel, aos cafés e esplanadas, bem frequentados por homens de chapéu e mulheres trajadas ao fino gosto da moda. Na cultura, o gosto pela leitura dos jornais, pelos teatros, ópera e cinema; pelas bibliotecas e livrarias, pela música e pelo tango, são o testemunho dado por Horácio Coppola e Jorge Luís Borges. A cidade de Buenos Aires podia muito bem ser qualquer cidade europeia!
Ouvir as entrevistas de Jorge Luís Borges, mesmo que em diferido por vídeo, é o máximo! Transmite-nos não só um profundo conhecimento literário como escritor, ensaísta e poeta, mas também saber linguísticos e formação universalista. Os europeus, e nós também, temos motivo para nos orgulharmos dele. Afinal, ainda que longinquamente, o escritor ainda descende dos portugueses … Fiquei pregado ao ecrã ao ouvi-lo e disse de mim para mim: Isto sim, é literatura, é cultura é sabedoria! Senti-me tão pequeno que a única justificação que encontrei foi esta: Doravante, Borges passará a ser uma das minhas prioridades!
domingo, 8 de março de 2009
O Gosto dos outros.
O Gosto dos outros.
O Gosto dos Outros, título original “ Le Goûte des Autres” foi um filme francês que gostei de ver, sobretudo porque marca a diferença de personalidades associada a ideia de gosto (ou a sua falta…).
O trama é simples e talvez por isso interessante. Trata-se de um industrial bem sucedido – Castela - com muito dinheiro mas com falta de gosto! É o típico rústico, sem qualquer educação intelectual, que odeia o gerente da sua fábrica, um parisiense interessante. Nutre um quase ódio pela mulher e a sua diversão é comer embora não o possa fazer por causa da pressão alta! Um dia conhece alguém – Claire – que o faz mudar a vida chata que levava. Claire vai ao seu escritório dar aulas de inglês, mas Castela, sem interesse, dispensa a professora até que uma noite Claire revela-se uma actriz de teatro talentosa pela qual Castela logo se interessa…
O industrial é apresentado como alguém grosseiro e de gostos básicos que acaba por se apaixonar por Claire, mulher pertencente aos meios tidos como intelectuais.
Castela vai mudando e procurando agradar a Claire. É que ele possui afinal uma sensibilidade que apenas necessitava de estímulo enquanto, ironia das coisas, o que anteriormente era repudiado como essência de mau gosto de Castela vai fazer com que Claire se liberte das amarras do preconceito que a inibiam.
A conclusão que se pode tirar é que o “bom ou mau gosto” não é definido por uma regra que se aplique e pronto! A formação e o conhecimento ajudam mas não é tudo. O preconceito, a meu ver, é uma forma discriminatória de apreciar a arte.
O Gosto dos Outros, título original “ Le Goûte des Autres” foi um filme francês que gostei de ver, sobretudo porque marca a diferença de personalidades associada a ideia de gosto (ou a sua falta…).
O trama é simples e talvez por isso interessante. Trata-se de um industrial bem sucedido – Castela - com muito dinheiro mas com falta de gosto! É o típico rústico, sem qualquer educação intelectual, que odeia o gerente da sua fábrica, um parisiense interessante. Nutre um quase ódio pela mulher e a sua diversão é comer embora não o possa fazer por causa da pressão alta! Um dia conhece alguém – Claire – que o faz mudar a vida chata que levava. Claire vai ao seu escritório dar aulas de inglês, mas Castela, sem interesse, dispensa a professora até que uma noite Claire revela-se uma actriz de teatro talentosa pela qual Castela logo se interessa…
O industrial é apresentado como alguém grosseiro e de gostos básicos que acaba por se apaixonar por Claire, mulher pertencente aos meios tidos como intelectuais.
Castela vai mudando e procurando agradar a Claire. É que ele possui afinal uma sensibilidade que apenas necessitava de estímulo enquanto, ironia das coisas, o que anteriormente era repudiado como essência de mau gosto de Castela vai fazer com que Claire se liberte das amarras do preconceito que a inibiam.
A conclusão que se pode tirar é que o “bom ou mau gosto” não é definido por uma regra que se aplique e pronto! A formação e o conhecimento ajudam mas não é tudo. O preconceito, a meu ver, é uma forma discriminatória de apreciar a arte.
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Arte é arte
Arte é arte
Quase todos os anos pelo verão costumo ir a feira do livro em Lisboa. Percorro de alto a baixo e de baixo a cima o Parque Eduardo VII. Não me alargo muito na compra de livros porque pesa um pouco no orçamento… Por outro lado, confesso, tenho algumas dificuldades em escolher os livros. Sinto-me um pouco como na situação daqueles almoços ou jantares de self-service onde não sei como começar nem acabar…
Em Julho de 2007, numa dessas visitas pela feira, comprei um livro sobre a História da Arte, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian – de excelente qualidade - da autoria do norte-americano H.W. Janson ao preço de capa, por 14.00€, nada mais barato! Tinha começado a ler alguma coisa sobre arte e expressão artística, e quanto mais lia mais dava conta da minha ignorância…
Em Julho de 2002, estive em Paris com a minha mulher – uma semana – e calcorreamos a pé e de metro aquela encantadora cidade. Visitamos, sempre a correr, os museus d´Orsay, Auguste Rodin (arrebatador) e o Louvre - uma referência obrigatória. Claro que não foi possível apreciar em tão curto espaço de tempo a imensidão de todas as suas obras de arte. Impressionou-me porém o interesse dos franceses pela arte, cultura e educação. Miúdos, professores e os pais a conversar sobre pintura, escultura - sobre arte de um modo geral - com os alunos e filhos e o manifesto interesse e a atenção deles! – Claro que pensei no nosso sistema de instrução e de educação e senti uma certa tristeza…
Comecei a ler um livro sobre pintura de Chagall e estou a gostar… Mas apreciar, verdadeiramente, implica um conhecimento mais profundo. Saber identificar as correntes e escolas de pintura; se determinada pintura de um quadro é impressionista, cubista, expressionista, surrealista, abstracta… e interpretar e analisar o seu significado e épocas históricas leva tempo. E gostar? Será que o “ gosto de uma obra de arte” provem do conhecimento das pessoas sobre ela ou poderá ser também intuitivo? – O público não ajuizará, de acordo com a sua percepção e sensibilidade?
Já me serviu de muito – e continua a servir - o Livro sobre História de Arte, da Gulbenkian. Logo na sua introdução começa por questionar o que é a arte e dá o exemplo da Cabeça de Touro de Picasso. Aqui entra o conceito de arte como um objecto estético, para ser visto e apreciado pelo seu valor intrínseco, e em que a estética diz respeito ao belo. Agora, nem toda a arte é bela aos nossos olhos e não há propriamente uma regra que a defina. A imaginação, criatividade e originalidade são elementos essenciais em qualquer obra de arte.
Quase todos os anos pelo verão costumo ir a feira do livro em Lisboa. Percorro de alto a baixo e de baixo a cima o Parque Eduardo VII. Não me alargo muito na compra de livros porque pesa um pouco no orçamento… Por outro lado, confesso, tenho algumas dificuldades em escolher os livros. Sinto-me um pouco como na situação daqueles almoços ou jantares de self-service onde não sei como começar nem acabar…
Em Julho de 2007, numa dessas visitas pela feira, comprei um livro sobre a História da Arte, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian – de excelente qualidade - da autoria do norte-americano H.W. Janson ao preço de capa, por 14.00€, nada mais barato! Tinha começado a ler alguma coisa sobre arte e expressão artística, e quanto mais lia mais dava conta da minha ignorância…
Em Julho de 2002, estive em Paris com a minha mulher – uma semana – e calcorreamos a pé e de metro aquela encantadora cidade. Visitamos, sempre a correr, os museus d´Orsay, Auguste Rodin (arrebatador) e o Louvre - uma referência obrigatória. Claro que não foi possível apreciar em tão curto espaço de tempo a imensidão de todas as suas obras de arte. Impressionou-me porém o interesse dos franceses pela arte, cultura e educação. Miúdos, professores e os pais a conversar sobre pintura, escultura - sobre arte de um modo geral - com os alunos e filhos e o manifesto interesse e a atenção deles! – Claro que pensei no nosso sistema de instrução e de educação e senti uma certa tristeza…
Comecei a ler um livro sobre pintura de Chagall e estou a gostar… Mas apreciar, verdadeiramente, implica um conhecimento mais profundo. Saber identificar as correntes e escolas de pintura; se determinada pintura de um quadro é impressionista, cubista, expressionista, surrealista, abstracta… e interpretar e analisar o seu significado e épocas históricas leva tempo. E gostar? Será que o “ gosto de uma obra de arte” provem do conhecimento das pessoas sobre ela ou poderá ser também intuitivo? – O público não ajuizará, de acordo com a sua percepção e sensibilidade?
Já me serviu de muito – e continua a servir - o Livro sobre História de Arte, da Gulbenkian. Logo na sua introdução começa por questionar o que é a arte e dá o exemplo da Cabeça de Touro de Picasso. Aqui entra o conceito de arte como um objecto estético, para ser visto e apreciado pelo seu valor intrínseco, e em que a estética diz respeito ao belo. Agora, nem toda a arte é bela aos nossos olhos e não há propriamente uma regra que a defina. A imaginação, criatividade e originalidade são elementos essenciais em qualquer obra de arte.
sábado, 7 de fevereiro de 2009
Comunidade aldeã
A cultura e os filhos da terra.
Contavam-se pelos dedos de uma das mãos os olhomarinhenses da minha geração formados com grau académico superior. Estou a referir-me as pessoas com idades compreendidas entre os 60 e 70 anos, mais coisa menos coisa. A população de Olho Marinho sempre se dedicou à agricultura, ao campo e à fazenda: andar com a enxada na mão, a cavar, a estonar ou sachar; a plantar, semear ou a regar as batatas e as couves, era o seu dia-a-dia… Nunca havia tempo para nada, nem para estar doente! O meu pai costumava dizer - ironicamente - que o “desporto” dele era o trabalho. A minha avó Palmira trabalhou sempre até morrer e dizia que era preciso “ aproveitar o tempo,” como se ele fugisse… Com uma mentalidade destas, associada a pobreza como é que os seus filhos podiam estudar? – Fazer uma instrução primária, e aqueles que a faziam, já era muito bom! – Apesar disso, ainda houve meia dúzia de famílias que – uns com mais outros menos sacrifícios - puseram os seus filhos a estudar, ainda bem: porque ser trabalhador, pobre, honrado e iletrado é demais… Os homens tinham como divertimento as sobras das tardes de Domingo (trabalhavam no campo 6 ou 7 horas de manhã…) que eram passadas nas tabernas. Jogavam às cartas ou ao chinquilho, mastigavam à conversa uns tremoços e umas pevides, arrematavam pelo meio umas rodadas de tinto por conta dos perdedores… As mulheres casadas cuidavam dos filhos e das lides domésticas!
O Armando Silva Carvalho faz parte dessa geração que estudou e emigrou para a capital. Filho de agrário e pequeno comerciante, nascido em Olho Marinho no ano de 1938. Frequentou a Faculdade de Letras, licenciou-se em Direito e advogou algum tempo. Desenvolve a sua actividade como poeta, ficcionista, jornalista, professor, tradutor, crítico literário e publicitário.Consultando alguns sites na Net, ficamos a saber um pouco mais acerca da actividade literária do Armando. Naturalmente, só através da leitura das suas as obras se conhecerá melhor a sua dimensão cultural. Em qualquer caso, o vago conhecimento da sua existência no campo das letras deverá constituir um motivo de orgulho para a população de Olho Marinho e até do concelho de Óbidos. Aqui fica a referência e esta pequena nota retirada de um site:
Armando Silva Carvalho nasceu na freguesia de Olho Marinho, Óbidos, em 1938. (…). Traduziu autores como Margueritte Duras e Samuel Beckett, Rainer Maria Rilke e Boris Pasternak.Revelou-se como poeta em 1965, com o livro Lírica Consumível, que obteve o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou posteriormente O Comércio dos Nervos (1968), Antologia Poética (1976), Armas Brancas (1977), Técnicas do Engate (1979), Alexandre Bissecto (1983) e Canis Dei, em 1995, sendo premiado "ex-aequo” com o Prémio PEN Clube. Em prosa, Armando Silva Carvalho escreveu, entre outros, A Vingança de Maria Noronha, em 1989, sendo agraciado com a Menção Honrosa do Prémio Cidade de Lisboa e, em 2000, O Homem que Sabia a Mar. Com obra publicada em vários países, como Alemanha, Espanha, Itália e Suécia, Armando Silva Carvalho estreou-se na Assírio & Alvim com o livro O Menino ao Colo. Momentos, Falas, Lugares do Sublime Santo António
Contavam-se pelos dedos de uma das mãos os olhomarinhenses da minha geração formados com grau académico superior. Estou a referir-me as pessoas com idades compreendidas entre os 60 e 70 anos, mais coisa menos coisa. A população de Olho Marinho sempre se dedicou à agricultura, ao campo e à fazenda: andar com a enxada na mão, a cavar, a estonar ou sachar; a plantar, semear ou a regar as batatas e as couves, era o seu dia-a-dia… Nunca havia tempo para nada, nem para estar doente! O meu pai costumava dizer - ironicamente - que o “desporto” dele era o trabalho. A minha avó Palmira trabalhou sempre até morrer e dizia que era preciso “ aproveitar o tempo,” como se ele fugisse… Com uma mentalidade destas, associada a pobreza como é que os seus filhos podiam estudar? – Fazer uma instrução primária, e aqueles que a faziam, já era muito bom! – Apesar disso, ainda houve meia dúzia de famílias que – uns com mais outros menos sacrifícios - puseram os seus filhos a estudar, ainda bem: porque ser trabalhador, pobre, honrado e iletrado é demais… Os homens tinham como divertimento as sobras das tardes de Domingo (trabalhavam no campo 6 ou 7 horas de manhã…) que eram passadas nas tabernas. Jogavam às cartas ou ao chinquilho, mastigavam à conversa uns tremoços e umas pevides, arrematavam pelo meio umas rodadas de tinto por conta dos perdedores… As mulheres casadas cuidavam dos filhos e das lides domésticas!
O Armando Silva Carvalho faz parte dessa geração que estudou e emigrou para a capital. Filho de agrário e pequeno comerciante, nascido em Olho Marinho no ano de 1938. Frequentou a Faculdade de Letras, licenciou-se em Direito e advogou algum tempo. Desenvolve a sua actividade como poeta, ficcionista, jornalista, professor, tradutor, crítico literário e publicitário.Consultando alguns sites na Net, ficamos a saber um pouco mais acerca da actividade literária do Armando. Naturalmente, só através da leitura das suas as obras se conhecerá melhor a sua dimensão cultural. Em qualquer caso, o vago conhecimento da sua existência no campo das letras deverá constituir um motivo de orgulho para a população de Olho Marinho e até do concelho de Óbidos. Aqui fica a referência e esta pequena nota retirada de um site:
Armando Silva Carvalho nasceu na freguesia de Olho Marinho, Óbidos, em 1938. (…). Traduziu autores como Margueritte Duras e Samuel Beckett, Rainer Maria Rilke e Boris Pasternak.Revelou-se como poeta em 1965, com o livro Lírica Consumível, que obteve o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou posteriormente O Comércio dos Nervos (1968), Antologia Poética (1976), Armas Brancas (1977), Técnicas do Engate (1979), Alexandre Bissecto (1983) e Canis Dei, em 1995, sendo premiado "ex-aequo” com o Prémio PEN Clube. Em prosa, Armando Silva Carvalho escreveu, entre outros, A Vingança de Maria Noronha, em 1989, sendo agraciado com a Menção Honrosa do Prémio Cidade de Lisboa e, em 2000, O Homem que Sabia a Mar. Com obra publicada em vários países, como Alemanha, Espanha, Itália e Suécia, Armando Silva Carvalho estreou-se na Assírio & Alvim com o livro O Menino ao Colo. Momentos, Falas, Lugares do Sublime Santo António
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Comunidade aldeã
Ciclo de vida
O ciclo de vida daquelas gerações era em média mais curta que o actual. Geralmente, quando as crianças ainda andavam na escola primária, entre os sete e os onze ou doze anos de idade, acontecia morrer um dos avós, quase sempre o avô.
Sucedia, frequentemente, serem os netos a fazer companhia durante a noite a casa das avós, agora viúvas, nos primeiros tempos do luto. Naquela época, os filhos tomavam conta dos pais quando estes iam para a idade (velhice) e as suas capacidades não ofereciam condições de se regerem sozinhos. Os homens, mais dependentes do que as mulheres, eram quem mais beneficiava. Em regra, havendo mais do que um filho, os pais passavam uma temporada em casa de cada um deles, em média um mês.
A morte dos avós traziam sempre alguma dor e era costume os netos andarem com uma fita preta num dos braços, em sinal de luto, durante três meses. Nesse período, os enlutados não deviam ir às festas segundo rezava a tradição. Porém, havia avós que pediam aos netos que quando eles partirem ou chegar a sua hora se divirtam na mesma, gozem a vida: não deixem de ir a festas e a bailes.
Claro que a noção que o sofrimento era mais forte quanto mais próxima era a relação de parentesco com o finado: dos filhos em relação aos pais e a seguir dos netos em relação aos avós. O luto também era por mais tempo.
Às vezes, por doença ou caprichos da vida, o ciclo é interrompido por morte de pessoas bem mais novas.
O ciclo de vida daquelas gerações era em média mais curta que o actual. Geralmente, quando as crianças ainda andavam na escola primária, entre os sete e os onze ou doze anos de idade, acontecia morrer um dos avós, quase sempre o avô.
Sucedia, frequentemente, serem os netos a fazer companhia durante a noite a casa das avós, agora viúvas, nos primeiros tempos do luto. Naquela época, os filhos tomavam conta dos pais quando estes iam para a idade (velhice) e as suas capacidades não ofereciam condições de se regerem sozinhos. Os homens, mais dependentes do que as mulheres, eram quem mais beneficiava. Em regra, havendo mais do que um filho, os pais passavam uma temporada em casa de cada um deles, em média um mês.
A morte dos avós traziam sempre alguma dor e era costume os netos andarem com uma fita preta num dos braços, em sinal de luto, durante três meses. Nesse período, os enlutados não deviam ir às festas segundo rezava a tradição. Porém, havia avós que pediam aos netos que quando eles partirem ou chegar a sua hora se divirtam na mesma, gozem a vida: não deixem de ir a festas e a bailes.
Claro que a noção que o sofrimento era mais forte quanto mais próxima era a relação de parentesco com o finado: dos filhos em relação aos pais e a seguir dos netos em relação aos avós. O luto também era por mais tempo.
Às vezes, por doença ou caprichos da vida, o ciclo é interrompido por morte de pessoas bem mais novas.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Comunidade aldeã
Professor Carreira
O Professor Carreira e a sua esposa eram professores primários que tinham residência fixa em Olho Marinho. Ele ensinava na Escola nova os alunos da 4ª classe; a esposa, Sr.ª D. Piedade, ensinava a 1.ª classe na escola velha. As 2ªs e 3ªs classes, eram ensinadas por outros professores que não residiam na terra ou então ficavam alojados temporariamente em casa de alguém.
O Professor Carreira ainda não devia ter trinta anos. Era pois muito mais novo que o padre e o médico. De estatura média-alta, atlética até, era uma pessoa disciplinada que gostava muito de desporto, sobretudo de futebol. Promoveu a criação de um Campo de Futebol em Olho Marinho, no sítio da Feira. Tratou de arranjar camisolas (às riscas verticais, amarelas e pretas), calções, meias e sapatos, boné e luvas para os guarda-redes para os futuros jogadores, bem como o local para se equiparem e guardarem o equipamento. O Professor Carreira era simultaneamente dirigente, treinador, e até jogador e jogava bem!
Os jovens jogadores eram treinados durante os dias da semana, incluindo aos sábados que na época era também um dia útil igual aos outros. Todos trabalhavam no campo a excepção do guarda-redes que era padeiro, daí o cognome de Manuel Padeiro. À tardinha, lá vinha eles dos campos, à pressa, ainda com a enxada às costas. Era só o tempo de passar por água, mudar de roupa e ir a correr para o campo. O treinador era rigoroso e não aceitava atrasos e o pessoal tinha-lhes mais respeito que aos próprios pais! – A verdade é que o Olho Marinho teve uma boa equipa de futebol. Jogava em casa e fora, ganhava e perdia como as outras, e tinha um público entusiasmado que assistia aos jogos. Tudo isto foi obra de um trabalho notável de um homem: O professor Carreira.
Estas três personagens, para além de promoverem educação, cultura e assistência (médica e religiosa) transmitiram, pelo exemplo, valores e princípios humanos incalculáveis para as gerações que se seguiram, mesmo sem o saber!
O Professor Carreira e a sua esposa eram professores primários que tinham residência fixa em Olho Marinho. Ele ensinava na Escola nova os alunos da 4ª classe; a esposa, Sr.ª D. Piedade, ensinava a 1.ª classe na escola velha. As 2ªs e 3ªs classes, eram ensinadas por outros professores que não residiam na terra ou então ficavam alojados temporariamente em casa de alguém.
O Professor Carreira ainda não devia ter trinta anos. Era pois muito mais novo que o padre e o médico. De estatura média-alta, atlética até, era uma pessoa disciplinada que gostava muito de desporto, sobretudo de futebol. Promoveu a criação de um Campo de Futebol em Olho Marinho, no sítio da Feira. Tratou de arranjar camisolas (às riscas verticais, amarelas e pretas), calções, meias e sapatos, boné e luvas para os guarda-redes para os futuros jogadores, bem como o local para se equiparem e guardarem o equipamento. O Professor Carreira era simultaneamente dirigente, treinador, e até jogador e jogava bem!
Os jovens jogadores eram treinados durante os dias da semana, incluindo aos sábados que na época era também um dia útil igual aos outros. Todos trabalhavam no campo a excepção do guarda-redes que era padeiro, daí o cognome de Manuel Padeiro. À tardinha, lá vinha eles dos campos, à pressa, ainda com a enxada às costas. Era só o tempo de passar por água, mudar de roupa e ir a correr para o campo. O treinador era rigoroso e não aceitava atrasos e o pessoal tinha-lhes mais respeito que aos próprios pais! – A verdade é que o Olho Marinho teve uma boa equipa de futebol. Jogava em casa e fora, ganhava e perdia como as outras, e tinha um público entusiasmado que assistia aos jogos. Tudo isto foi obra de um trabalho notável de um homem: O professor Carreira.
Estas três personagens, para além de promoverem educação, cultura e assistência (médica e religiosa) transmitiram, pelo exemplo, valores e princípios humanos incalculáveis para as gerações que se seguiram, mesmo sem o saber!
sábado, 31 de janeiro de 2009
Comunidade aldeã
O Dr. Campos – Médico
O Dr. Campos residia na freguesia de Amoreira – numa moradia ajardinada - onde estava instalado o Consultório da Amoreira. Além disso, vinha também fazer consultas Olho Marinho, num consultório localizado num 1º andar da Casa Regedor da Freguesia, senhor José Dias. O acesso fazia-se por uma porta independente, subia-se umas escadinhas até ao hall - espécie de varandim quadrangular - e só depois é que se entrava no consultório.
A moradia do Regedor, que integrava uma adega colada à fachada principal, prolongava-se depois por um muro descendente até quase ao largo da fonte, fazia a curva e voltava a subir do outro lado, por uma vereda, até pegar novamente residência do Regedor. A sua frente ficava um pátio, baptizado por Largo do Zé Dias. Este Largo confinava com a parte lateral da “escola velha” e a residência do Padre Renato.
O Dr. Campos era também uma pessoa alta, bem constituída e usava óculos. Tinha sempre muitos doentes para tratar e era muitas vezes chamado de noite. Deslocava-se entre as freguesias do concelho de Óbidos – Vau, Usseira, Gaeiras, Olho Marinho e até a Povoação do Pó – num Volkswagen que comprara com a herança que recebera dos pais, conforme confessara um dia mais tarde, quando esteve hospitalizado no Hospital de Santa Maria.
O Dr. Campos era também uma pessoa muito impulsiva e não tinha papas na língua. Os doentes que não se portavam bem, não seguissem as suas prescrições mínimas, tinham que se haver com ele… Naturalmente, naquela época, não se fazia lá muitas dietas e sobretudo bebia-se bastante álcool – vinho e bagaço. Atrás das bebedeiras, lá vinham as cirroses (barriga de água…), úlceras, os reumatismos, etc. Por conta disso, o Dr. Campos é que se esfalfava a fazer visitas ao domicílio, rua acima rua abaixo: ver os seus doentes crónicos. Era pois natural que alguns deles ouvissem algum responso menos agradável. Aliás, até o Padre Renato, por outras razões, ouviu da parte do médico um desabafo nada lisonjeiro. Conta-se que numa ocasião em que o médico vinha a sair do seu consultório e se dirigiu ao seu carro, ao ligar as chaves, este não pegou logo. Então o Padre que estava por perto, “mete-se com ele” e diz: então Dr. o seu carro não pega? O médico, como que a pensar alto, desabafa: Olha quem! Anda sempre com a merda do carro dele avariado e vem agora falar do meu… O Padre Renato fingiu que não ouviu e foi a vida dele!
O Dr. Campos fumava bastante e tinha uma asma crónica. Ainda assim, andava sempre num frenesim. A par do seu feitio, era uma pessoa de grande generosidade e de uma sensibilidade sem limites para com as pessoas de parcos recursos. Muitos doentes não tinham só dificuldades em pagar as suas consultas mas ainda em comprar os medicamentos que lhes eram prescritos. O Dr. Campos conhecia as suas dificuldades e por isso não cobrava dinheiro pela maioria das consultas que fazia. Além disso, ainda retirava medicamentos do Hospital da Misericórdia de Óbidos - onde também prestava assistência - para entregar aos pacientes mais necessitados. Como agradecimento, estes retribuíam em géneros: batatas, feijão hortaliças ou então fruta da época. O médico, em compensação, entregava-os no Hospital de Óbidos. Aqui, por sua iniciativa, muitos doentes seus foram observados conjuntamente com outros colegas médicos. Algumas vezes, chegava a mesmo a transportá-los no seu próprio carro… Mas, o caso mais marcante passou-se com uma doente da Povoação do Pó. Foi mandado chamar por volta da meia-noite, levantou-se da cama e lá foi ele... Diagnosticou a doente - uma senhora já de certa idade - prescreveu a terapeuta adequada e depois recebeu o valor da consulta que a paciente solicitamente fez questão de pagar. Regressou a casa, deitou-se, mas esposa apercebeu-se que o marido estava intranquilo. Este contou-lhe o que se passara, levantou-se novamente da cama e foi a casa da senhora entregar o dinheiro da consulta porque poderia precisar dele … Já de regresso, deitou-se de novo e adormeceu… dormindo tranquilamente e em paz o resto da noite.
Mais tarde, por volta de 1977, o Dr. Campos fora internado no Hospital de Santa Maria em Lisboa. Estava bem mais magro, com o corpo armadilhado de tubos e soro inalado a correr a conta-gotas do alto de uma garrafa... Sabia do mal que padecia e não valia a pena tentar iludi-lo. Era nos pulmões…
Contou que deixara de fazer consultas domiciliadas por não poder mais – a sua saúde não o permitia - e fora então exercer medicina para Hospital de Caldas da Rainha. Confidenciou à única pessoa de Olho Marinho que o fora visitar, que o seu vencimento era o de um cacheiro viajante: 1.500$00! Que os únicos bens materiais que possuía fora os que recebera dos seus pais por herança. Foi com eles que comprou o único carro que teve na vida: um Volkswagen carocha!
O Dr. Campos residia na freguesia de Amoreira – numa moradia ajardinada - onde estava instalado o Consultório da Amoreira. Além disso, vinha também fazer consultas Olho Marinho, num consultório localizado num 1º andar da Casa Regedor da Freguesia, senhor José Dias. O acesso fazia-se por uma porta independente, subia-se umas escadinhas até ao hall - espécie de varandim quadrangular - e só depois é que se entrava no consultório.
A moradia do Regedor, que integrava uma adega colada à fachada principal, prolongava-se depois por um muro descendente até quase ao largo da fonte, fazia a curva e voltava a subir do outro lado, por uma vereda, até pegar novamente residência do Regedor. A sua frente ficava um pátio, baptizado por Largo do Zé Dias. Este Largo confinava com a parte lateral da “escola velha” e a residência do Padre Renato.
O Dr. Campos era também uma pessoa alta, bem constituída e usava óculos. Tinha sempre muitos doentes para tratar e era muitas vezes chamado de noite. Deslocava-se entre as freguesias do concelho de Óbidos – Vau, Usseira, Gaeiras, Olho Marinho e até a Povoação do Pó – num Volkswagen que comprara com a herança que recebera dos pais, conforme confessara um dia mais tarde, quando esteve hospitalizado no Hospital de Santa Maria.
O Dr. Campos era também uma pessoa muito impulsiva e não tinha papas na língua. Os doentes que não se portavam bem, não seguissem as suas prescrições mínimas, tinham que se haver com ele… Naturalmente, naquela época, não se fazia lá muitas dietas e sobretudo bebia-se bastante álcool – vinho e bagaço. Atrás das bebedeiras, lá vinham as cirroses (barriga de água…), úlceras, os reumatismos, etc. Por conta disso, o Dr. Campos é que se esfalfava a fazer visitas ao domicílio, rua acima rua abaixo: ver os seus doentes crónicos. Era pois natural que alguns deles ouvissem algum responso menos agradável. Aliás, até o Padre Renato, por outras razões, ouviu da parte do médico um desabafo nada lisonjeiro. Conta-se que numa ocasião em que o médico vinha a sair do seu consultório e se dirigiu ao seu carro, ao ligar as chaves, este não pegou logo. Então o Padre que estava por perto, “mete-se com ele” e diz: então Dr. o seu carro não pega? O médico, como que a pensar alto, desabafa: Olha quem! Anda sempre com a merda do carro dele avariado e vem agora falar do meu… O Padre Renato fingiu que não ouviu e foi a vida dele!
O Dr. Campos fumava bastante e tinha uma asma crónica. Ainda assim, andava sempre num frenesim. A par do seu feitio, era uma pessoa de grande generosidade e de uma sensibilidade sem limites para com as pessoas de parcos recursos. Muitos doentes não tinham só dificuldades em pagar as suas consultas mas ainda em comprar os medicamentos que lhes eram prescritos. O Dr. Campos conhecia as suas dificuldades e por isso não cobrava dinheiro pela maioria das consultas que fazia. Além disso, ainda retirava medicamentos do Hospital da Misericórdia de Óbidos - onde também prestava assistência - para entregar aos pacientes mais necessitados. Como agradecimento, estes retribuíam em géneros: batatas, feijão hortaliças ou então fruta da época. O médico, em compensação, entregava-os no Hospital de Óbidos. Aqui, por sua iniciativa, muitos doentes seus foram observados conjuntamente com outros colegas médicos. Algumas vezes, chegava a mesmo a transportá-los no seu próprio carro… Mas, o caso mais marcante passou-se com uma doente da Povoação do Pó. Foi mandado chamar por volta da meia-noite, levantou-se da cama e lá foi ele... Diagnosticou a doente - uma senhora já de certa idade - prescreveu a terapeuta adequada e depois recebeu o valor da consulta que a paciente solicitamente fez questão de pagar. Regressou a casa, deitou-se, mas esposa apercebeu-se que o marido estava intranquilo. Este contou-lhe o que se passara, levantou-se novamente da cama e foi a casa da senhora entregar o dinheiro da consulta porque poderia precisar dele … Já de regresso, deitou-se de novo e adormeceu… dormindo tranquilamente e em paz o resto da noite.
Mais tarde, por volta de 1977, o Dr. Campos fora internado no Hospital de Santa Maria em Lisboa. Estava bem mais magro, com o corpo armadilhado de tubos e soro inalado a correr a conta-gotas do alto de uma garrafa... Sabia do mal que padecia e não valia a pena tentar iludi-lo. Era nos pulmões…
Contou que deixara de fazer consultas domiciliadas por não poder mais – a sua saúde não o permitia - e fora então exercer medicina para Hospital de Caldas da Rainha. Confidenciou à única pessoa de Olho Marinho que o fora visitar, que o seu vencimento era o de um cacheiro viajante: 1.500$00! Que os únicos bens materiais que possuía fora os que recebera dos seus pais por herança. Foi com eles que comprou o único carro que teve na vida: um Volkswagen carocha!
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